Título: E agora, Obama?
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 03/11/2010, Mundo, p. 18

Pelo rádio e pelo Twitter, presidente tenta até o último minuto salvar seu partido da derrota total no Congresso. Hoje, ele fala à imprensa sobre o resultado e começa a traçar a estratégia para lutar pela reeleição em 2012

O encontro com a imprensa, o establishment político e o público em geral está marcado para a tarde de hoje: Barack Obama dará entrevista coletiva na Casa Branca para comentar o resultado das eleições de ontem, em que seu partido, o democrata, se encaminhava para a derrota certa. A dimensão e as consequências do revés determinarão em boa parte a estratégia do presidente para os dois anos finais de mandato e a batalha pela reeleição, que se anuncia muito mais dura que a campanha vitoriosa à Casa Branca, em 2008.

Nos 50 estados e na capital, Washington, os americanos votaram para renovar as 435 cadeiras da Câmara e 37 das 100 vagas no Senado. Pareciam remotas as chances de os governistas salvarem a folgada maioria conquistada há dois anos na Câmara (255 deputados): a última pesquisa do instituto Gallup dava à oposição republicana uma vantagem de 55% a 40%, a maior verificada em eleições legislativas de metade de mandato desde 1974. Quanto ao Senado, os democratas lutavam para administrar as perdas e preservar ao menos uma maioria apertada nem em sonho pensariam em continuar com 57 cadeiras (mais dois independentes). Até o fechamento desta edição, projeções da rede CNN indicavam que os republicanos tinham conquistado 59 vagas na Câmara, enquanto os democratas tinham 23. Para o Senado, a disputa estava nove a quatro a favor dos republicanos.

Você poderia passar 15 minutos entrando em contato com os eleitores para dizer a eles como é importante que votem hoje?, apelou Obama em mensagem postada no Twitter. Depois de votar, diga para seus amigos no Facebook: Eu votei, sugeriu em outro post. O presidente que fez da internet um instrumento político decisivo para ocupar a Casa Branca passou a terça-feira dividindo seu tempo entre o computador e entrevistas. Em uma delas, apelou aos eleitores latinos, que o apoiaram em massa em 2008.

Desta vez, Obama pediu socorro para um aliado-chave, o líder democrata no Senado, Harry Reid, ameaçado de perder a cadeira por Nevada para a desafiante Sharron Angle, republicana identificada com o movimento ultraconservador Tea Party. O voto hispânico é crucial, insistiu. O presidente falou também a emissoras na Califórnia, na Pensilvânia, na Flórida e em Illinois onde a vaga em disputa pertencia ao próprio presidente até 2008. Em todos esses estados, a esperança dos democratas era que o receio de uma vitória acachapante para a oposição levasse os entusiastas de Obama a comparecerem em maior número o voto não é obrigatório nos EUA.

Guinada conservadora No bairro negro do Harlem, em Nova York, uma das mais tradicionais fortalezas democratas, o chamado parece ter encontrado eco. O motivo pelo qual acordei cedo hoje é o fato de que muita gente acha que a vitória republicana é líquida e certa, e por isso não quer votar, comentava Andrew Miles, publicitário de 46 anos que compareceu à urna antes de seguir para o trabalho. Quero impedir que isso aconteça, ou pelo menos ter a consciência de que fiz a minha parte. Mas com o país patinando na recessão e a taxa de desemprego em 9,6%, a mais alta em três décadas, muitos eleitores saíram de casa com determinação oposta. Estou sem trabalho há mais de um ano, declarou Tom Gutiérrez, 41 anos, antes de depositar seu voto para a oposição, na Flórida. Temos que colocar os republicanos de volta lá (no Congresso), reforçou Ima Rahter, do Missouri.

O povo americano vai falar alto e claro, exultava o californiano Mark Meckler, um dos fundadores do Tea Party em Sacramento. Entusiasmados com a energia que colocaram na campanha republicana com uma série de comícios e manifestações, tendo como ícone a candidata derrotada à Vice-Presidência Sarah Palin, os núcleos do Tea Party tinham festas programadas em várias cidades de costa a costa dos EUA, independentemente do sucesso de seus candidatos. Vamos ter uma maioria republicana e conservadora na Câmara, quanto a isso não resta nenhuma dúvida, festejava Richard Armey, que já liderou a bancada republicana na casa e deu importante respaldo ao Tea Party em Washington. Estamos assistindo a uma transformação, à reabilitação do Partido Republicano.

Memória CONSELHOS COM CLINTON

Se Barack Obama precisa de conselhos, pode pedi-los ao mesmo antecessor que entrou em campo, nas últimas semanas, para tentar salvar alguma coisa no naufrágio que ameaçava o Partido Democrata. Bill Clinton, hoje um ex-presidente de quem os americanos se lembram com saudades, sofreu o mesmo baque no início de mandato quando era também um presidente jovem e de pouco traquejo com a politicagem de Washington. Em 1992, ele tinha sido eleito com maiorias governistas na Câmara e no Senado, situação inédita desde 1980, quando o republicano Ronald Reagan comandou a revolução conservadora e pôs fim a décadas de hegemonia democrata no Congresso.

O revés de 1994 custou caro a Clinton. Seus planos para reformar o sistema de saúde pública e previdência foram atropelados pela oposição, comandada da Presidência da Câmara pelo ultraconservador Newt Gingrich. Sob o lema do Estado mínimo e da austeridade fiscal implacável, a maioria republicana impôs ao presidente sucessivos constrangimentos, embora não tenha conseguido encontrar um candidato capaz de frustrar sua reeleição. Por dois anos consecutivos, já no segundo mandato de Clinton, Gingrich e sua tropa de choque rejeitaram o projeto de orçamento federal, exigindo a eliminação do deficit. Como resultado da obstrução, a administração teve de ficar tecnicamente fechada durante alguns dias, por ausência de provisão de verbas.

Já então um político popular e carismático, o presidente costurou acordos que lhe permitiram passar o poder a George W. Bush, em janeiro de 2001, com as contas em equilíbrio pela primeira vez em décadas. Por ironia, foi o sucessor de Clinton, um republicano, quem recolocou o país no vermelho com os gastos bilionários das guerras no Afeganistão e no Iraque.

Também Reagan, que assumiu com o país em recessão assim como Obama perdeu terreno no Congresso dois anos depois, mas continuou contando com maioria no Senado. A exemplo de Clinton, o ícone republicano se refez a tempo de conquistar (com uma maioria sem precedentes) o segundo mandato, em 1984. Em 1986, a oposição democrata retomou o comando do Senado e ampliou seu controle na Câmara, mas nem por isso impediu Reagan de eleger como sucessor seu vice, George Bush. (SQ)