Título: Lugo não vê como antecipar as eleições presidenciais
Autor: Magro , Maíra
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2012, Internacional, p. A14

O presidente recém-deposto do Paraguai, Fernando Lugo, não acredita na possibilidade de as eleições presidenciais de abril de 2013 serem antecipadas, conforme proposta apresentada a Assunção pelos demais países do Mercosul. Ele também descarta as chances de uma saída para a crise que resulte na sua volta ao poder e já considera candidatar-se a senador. Destituído em um impeachment relâmpago, o ex-bispo de 61 anos disse em entrevista por telefone ao Valor que sua intenção é manter-se ativo politicamente e fazer oposição aos partidos tradicionais.

Valor: O sr. ainda pretende tentar retomar a Presidência?

Lugo : Aqui há dois caminhos para isso e os dois estão fechados. Primeiro, o caminho político, porque no Congresso Nacional não temos maioria, que é formada pelos partidos tradicionais. E, no caminho jurídico, também estão fechadas as portas à [ação de] inconstitucionalidade que movemos, em relação ao processo a que fomos imputados na semana passada. Veremos outra forma simplesmente de explicar à cidadania o que realmente aconteceu na sexta-feira passada.

Valor: Apesar dos limites legais à reeleição, seria possível candidatar-se a presidente em 2013, já que o sr. deixou de ocupar o cargo?

Lugo : Seria muito difícil, devido às questões jurídicas do país. A Constituição nacional não permite a reeleição. Se eu participo de novo e sou eleito, a Constituição não permite. Mas, sim, há respostas para ter outras candidaturas, como a senador ativo. Se eu terminasse o período presidencial, isso também me seria negado, pois me tornaria senador vitalício. Mas com esse golpe, eu perco o status de senador vitalício, e como cidadão paraguaio tenho o direito de participar das próximas eleições, para ser senador ativo.

Valor: Como está a situação hoje no Paraguai?

Lugo : Há uma série de manifestações, de indignados, em diferentes pontos do país, isso vai crescendo. Nós demos a direção de exercer o direito a demonstrar a indignação de maneira pacífica, pacífica, pacífica. Não fomentamos nenhum tipo de violência. Ou seja, dentro do marco da lei e da institucionalidade que permite o direito de cidadãos exercerem esse tipo de manifestação.

Valor: Em algum momento o sr. pensou em resistir?

Lugo : É muito difícil, porque quando ocorre uma crise assim, com gente na rua, muitas vezes a desordem, a violência pode acontecer, e este presidente é muito pacífico, não está de acordo com nenhum tipo de violência, nem sangue nem morte. Então, por um bem maior, salvaguardamos a vida das pessoas, e tive que me submeter a esse julgamento político que é injusto, irracional e sem respeitar o devido processo legal.

Valor: Há a alternativa de questionar o impeachment na OEA?

Lugo : A OEA está enviando uma comissão investigadora ao Paraguai. Vamos apresentar toda a informação política e jurídica do que aconteceu entre a sexta-feira e o sábado passado. O que deve ficar bem claro é que aqui aconteceu algo fora do normal, por isso a comunidade internacional está acompanhando. Se aqui não tivesse acontecido nada, por que vieram 12 chanceleres na sexta-feira passada? Se aqui não tivesse acontecido nada, se tudo isso é normal, por que os embaixadores foram retirados por seus países? Se aqui não aconteceu nada, por que o Mercosul excluiu e não convidou o Paraguai para esta reunião de amanhã e sexta-feira? E por que a Unasul questiona profundamente o novo governo? Por que uma sessão extraordinária da OEA e organismos internacionais, outros países e movimentos põem seus olhos nisso? Se tudo fosse normal, você não estaria me ligando hoje.

Valor: Mas uma decisão da OEA poderia recolocá-lo na Presidência?

Lugo : É muito difícil, mas também não é impossível. Quando os organismos internacionais possam ter, depois, uma atitude dura com o governo que se instalou, creio que se pode rever muita coisa.

Valor: E quanto à possibilidade de antecipar as eleições de abril?

Lugo : É muito difícil, porque o calendário eleitoral segue um cronograma, os partidos políticos também. Já saíram todas as datas, em dezembro terminaram as [eleições] internas, depois em 21 de abril estão marcadas as eleições gerais, e é muito difícil mudar o calendário eleitoral que já estava todo planejado de antemão.

Valor: O senhor realmente decidiu não comparecer à reunião do Mercosul, na Argentina?

Lugo : Eu vi que é muito melhor não participar dessa reunião. Em primeiro lugar, se eu fosse, seria para informar, e acho que os presidentes do Mercosul estão muito bem informados, pois estiveram seus chanceleres, seus embaixadores, aqui no Paraguai. E que minha presença não possa ser interpretada como uma pressão aos companheiros presidentes para dizer algo contra o Paraguai. Eu não desejo, não sugeriria nenhum bloqueio econômico contra o país, porque assim todos perdemos, mas queria que os presidentes se sentissem livres se há que se fazer uma sanção política ao novo governo, e isso dependerá da análise e das decisões que tomarão os presidentes do Mercosul.

Valor: O senhor então é a favor de uma sanção política, mas não econômica?

Lugo : Eu não sou contra nem a favor de nada. Simplesmente quero e sei que os presidentes estão informados sobre a ruptura do processo democrático, que tem que ter suas consequências.