Título: Exageros e acertos nos alertas para a expansão do crédito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2012, Opinião, p. A16

De tempos em tempos, um organismo internacional ou banco estrangeiro alerta para o crescimento do crédito no Brasil. Escaldados pela crise das economias avançadas, receiam ver em outras partes as sementes dos problemas que detonaram a crise que já dura cinco anos.

Foi o que aconteceu com o Banco para Compensações Internacionais (BIS) com seu 82º relatório anual, que leva o sugestivo título de "É hora de quebrar os círculos viciosos", divulgado domingo. O relatório é apresentado pelo diretor-gerente do BIS, Jaime Caruana, que presidiu o banco central da Espanha de 2000 a 2006, período em que foi inflada a gigantesca bolha imobiliária que mergulhou a quarta maior economia da zona do euro em uma de suas piores crises de todos os tempos.

A bolha espanhola começou a ser gestada em 1998 com a mudança na lei dos solos, concebida sob as premissas de que a melhoria da infraestrutura incentivaria o desenvolvimento imobiliário, o aumento da oferta impediria a alta dos preços dos imóveis e mais famílias comprariam a sonhada casa própria. Mas os preços não caíram. O metro quadrado do imóvel saltou 131% entre 1998 e 2005, ano em que Caruana, no comando do banco central, autorizou os bancos espanhóis a fazer hipotecas de 40 anos, inflando ainda mais a bolha.

Os preços continuaram subindo, e quando a bolha estourou, em 2007, na esteira de acontecimento semelhante nos Estados Unidos, a alta chegava a 170%. As repercussões são conhecidas com a economia espanhola mergulhando na recessão, o desemprego ultrapassando os 20% e um milhão de moradias desocupadas. Desde 2009 no cargo de gerente-geral do BIS, Caruana vê todo esse desastre de seu escritório, na Basileia. Já não estava mais no antigo posto no banco central quando o governo do seu país teve que injetar cerca de € 22 bilhões nos bancos entre 2010 e este ano para descobrir, há poucos dias, que precisam de pelo menos mais € 62 bilhões em capital novo.

Essa traumática experiência de Caruana certamente deve ter influenciado os termos do relatório do BIS, que fez um dramático alerta para o Brasil e outros mercados emergentes a respeito dos riscos do rápido crescimento do crédito e do mercado imobiliário nos últimos anos. Para o BIS, os emergentes correm o risco de ver sua própria "versão do ciclo de expansão e estouro".

O BIS chegou a pesquisar o aumento dos preços dos imóveis brasileiros, apurando uma valorização de 113,4% no Rio de Janeiro e de 86,3% em São Paulo desde o estouro da crise do subprime americana, ou seja, em cinco anos.

Segundo o relatório, o Brasil também entrou na zona de risco porque o crédito está crescendo mais rápido do que a economia, em uma proporção que cria o que chama de "gap de crédito". Para o BIS, uma taxa de crescimento do crédito seis pontos acima da expansão do PIB é considerada insustentável por não se alinhar à tendência histórica e, por isso, é "presságio" de crise. Esse desempenho exigiria, se as regras de Basileia 3 estivessem em vigor hoje, que os bancos brasileiros constituam provisões contracíclicas extraordinárias de 2,5%. O Banco Central (BC) rapidamente informou que antecipará para 2014 o início da criação gradual desse colchão, até completá-lo em 2019.

O alerta do BIS revela certo desconhecimento da realidade brasileira. O crédito tem crescido rapidamente no Brasil, é verdade. O saldo dobrou desde o início da crise internacional, de R$ 935,9 bilhões em 2007 para R$ 2,136 trilhões em maio. Mas ainda é de apenas 50,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O crédito imobiliário quase quintuplicou desde a crise, para R$ 294 bilhões, mas pouco passa de 5% do PIB e ainda há gigantesco déficit habitacional no país.

Além disso, a taxa de expansão do crédito vem desacelerando: foi de 15,2% em 2009, 20,6% em 2010 e 19% em 2011. Embora o BC espere que o crescimento fique em 15% neste ano, o acumulado em 12 meses até maio supera 18%; e outros setores do governo não escondem achar que há espaço para o brasileiro tomar mais crédito. O endividamento das famílias já é equivalente a quase 45% da renda acumulada em 12 meses; e 22% do salário mensal é para pagar dívidas. Recentemente, algumas medidas de contenção do crédito foram relaxadas, facilitando a compra de veículos, embora o financiamento ao consumo a prazos mais longos continue contido.

Os dados do crédito em maio trouxeram um poderoso aviso. A inadimplência da pessoa física chegou a 8%, a mesma taxa de novembro de 2009, auge do impacto da crise global no país. A generosa oferta de empréstimos cobra agora seu preço, embora ele possa não ser tão salgado quanto o BIS prevê.