Título: Mercosul e UE retomam negociação
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Brasil, p. A5

O Mercosul e a União Européia (UE) retomarão a negociação do acordo de livre comércio birregional nos dias 3 e 4 de outubro, no Rio de Janeiro. A expectativa do diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, embaixador Regis Arslanian, é de que os dois blocos comecem efetivamente as barganhas.

O encontro do Rio ocorrerá em meio a crescente dúvidas na Europa sobre as chances de sucesso da Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), no médio prazo.

Peter Mandelson, comissário europeu de Comércio, anunciou ontem que a revisão da política comercial da UE, no mês que vem, vai se focalizar na defesa de abertura da Europa a importações, e ao mesmo tempo ser mais "ativista" para abrir mercados e "assegurar tratamento justo" para empresas européias, principalmente em grandes mercados emergentes do Brasil e Ásia.

No começo do mês, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, confirmou o início de "discussões exploratórias" com outros países, como Coréia do Sul, depois da suspensão das negociações na OMC.

A negociação UE-Mercosul está em compasso de espera há vários meses, devido a temas que dificultam igualmente as discussões na OMC: abertura dos mercados agrícolas na UE e industrial e serviços no bloco do Cone Sul.

Em abril, o Mercosul propôs a Bruxelas "elementos para um possível acordo" no qual pedia cota livre de tarifas de 300 mil toneladas para carne bovina - quase o dobro do que Bruxelas ofereceu a todos os países membros da OMC, na Rodada Doha. Pediu também cota de 250 mil toneladas para carne de frango, montante idêntico ao que a UE quis oferecer na OMC.

Um mês depois, Bruxelas respondeu ao Mercosul que tinha "algum espaço" na área agrícola e fez suas próprias demandas. Incluiu proteção adicional de indicações geográficas, abertura no setor de serviços, garantia de abertura do mercado brasileiro para 353 produtos industriais prioritários dos exportadores europeus.

Agora, no Rio, "tem de haver movimento em agricultura (por parte da UE)", diz Arslanian. "Há dois anos que não tem havido nem indicações." Em contrapartida o Mercosul sinalizou com melhora em resseguros, transporte marítimo, serviços financeiros. O bloco pode melhorar sua oferta em bens industriais, especialmente no setor automotivo. Isso depende de flexibilidades a serem negociadas.

A negociação está sendo modelada de forma a que quase todos os produtos tenham as tarifas eliminadas no prazo de dez anos. "Mas não precisa todo o acordo ser de dez anos de prazo para chegar à tarifa zero. Alguns setores são sensíveis; como eles têm agricultura, temos sensibilidade no setor automotivo."

Para ser compatível com as regras da OMC, é preciso que o acordo cubra volume substancial do comércio. Para a UE, isso significa 90% das trocas, pelo menos. Para o Mercosul, pode ser menos. Havendo flexibilidade, o Mercosul pode reduzir o prazo de 18 anos para liberalizar seu mercado para a entrada de automóveis europeus, como é sua proposta ainda de 2004. "Queremos flexiblidade, mas para melhorar e não piorar nossa oferta", disse o embaixador.

"Podemos chegar logo muito perto de um acordo, se avançarmos em agricultura, serviços e nas flexibilidades", acredita.

A Venezuela fará parte, pela primeira vez, da delegação do Mercosul, como novo membro do bloco. Em Bruxelas, existe expectativa sobre a influência que o governo de Hugo Chávez poderá ter na discussão. Nesta quarta-feira, a Venezuela estará também na discussão em Brasília sobre a agenda externa do bloco.

O Mercosul procura acelerar outras negociações bilaterais, que o embaixador diz terem impacto significativo. Nos dias 9 e 10 de outubro, o bloco negocia em Riad (Arábia Saudita) o acordo com os países do Golfo. A expectativa é fechar o acordo até o fim do ano. O maior potencial para o Mercosul está nas exportações industriais, porque serão cortadas tarifas hoje de 18% sobre automóveis.

De Riad, os negociadores do Mercosul vão a Nova Déli. A idéia é ampliar o acordo com a Índia de 900 produtos atualmente para 4.500. O bloco quer sacramentar até o fim do mês a União Aduaneira da África Austral (Sacu), atualmente composto por aproximadamente 2 mil itens. Poderá haver inclusão de cerca de 2 mil outros produtos, inclusive do setor automotivo, como automóveis, motores, caminhões e autopeças.