Título: Reformas moralizantes na Câmara poderão ser revogadas por futuro presidente da Casa
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Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Política, p. A10

Quatro das cinco medidas adotadas por Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para tentar enxugar gastos e moralizar a administração da Câmara são de fácil reversão pelo próximo presidente da Casa. As alterações fazem parte de um esforço para modernizar e melhorar a imagem da instituição após os estragos causados pelos escândalos do mensalão e das sanguessugas.

Desde que assumiu o cargo, em 2005, Aldo tem articulado com líderes e integrantes da Mesa Diretora para aprovar mudanças. A mais recente foi o corte de 1.163 cargos de confiança de deputados e lideranças, que empregavam funcionários até para fazer campanhas nos Estados.

Esta, da semana passada, foi a quinta mudança administrativa. O primeiro ato foi racionalizar a autorizações das viagens internacionais dos deputados. Antes, a presidência apenas homologava os pedidos. Em seguida, um ato administrativo mudou o ponto dos funcionários. Com a alteração, o ponto foi alterado das 20h30 para 19h30. A economia com a hora extra chega a R$ 30 milhões anuais. Aldo também dispensou o uso dos R$ 10 milhões previstos para publicidade em 2006. Para 2007, determinou a retirada da rubrica de publicidade do orçamento da Casa. Assim, o próximo presidente não poderá usar a verba.

Por fim, a Mesa Diretora decidiu limitar o gasto dos deputados com gasolina em 30% da verba total dos gabinetes. A medida foi tomada depois da divulgação de que deputados falsificavam notas fiscais para embolsar o dinheiro.

Dessas mudanças, a demissão dos titulares de cargos especiais é mais difícil de ser alterada. Para a próxima sessão do plenário, já há acordo de líderes para a aprovação de uma resolução destinada a disciplinar a contratação dos Cargos de Natureza Especial (CNEs) e evitar uma possível recontratação numa próxima Legislatura. A resolução, com o peso da aprovação em plenário, reforçaria a medida, constrangendo os que vierem a pressionar pela recontratação.

O líder da Minoria, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), refuta qualquer possibilidade de mudança nas alterações feitas por Aldo. "Todas as mudanças feitas pelo presidente foram previamente conversadas e têm o apoio dos líderes. O próximo presidente teria de passar por cima dos maiores partidos para conseguir emplacar um retrocesso", diz Aleluia. "As lideranças, a sociedade civil e a imprensa, juntos, podem garantir a manutenção dessas conquistas", completa.

As demais medidas são frágeis regimentalmente. A questão das passagens pode ser mudada de acordo com a vontade do novo presidente. Não há ato formal a regulamentá-las. A mudança de ponto, adotada por um ato administrativo da presidência da Câmara, pode ser alterada pelo mesmo dispositivo. No caso da publicidade, nada impede o novo presidente de recolocar a rubrica no Orçamento de 2008.

A limitação dos gastos de gasolina foi determinada por um ato da mesa. Uma reunião da próxima Mesa Diretora poderá alterar a questão. Mas Aldo procura se cercar de todas as formas para manter a moralização desses gastos, como fará com os CNEs.

Amanhã, será assinado um convênio com a Fundação Getulio Vargas. Caberá à instituição estudar a forma de administração dos gabinetes da Câmara e propor mudanças drásticas para impedir abusos e melhorar a fiscalização. "A Câmara tem que dar o exemplo", diz Aldo, a cada alteração aprovada.

Presidentes anteriores fizeram a mesma coisa em seus mandatos. Preocupados com a costumeira baixa popularidade da Câmara, os antecessores de Aldo sempre tomaram medidas para tentar dar mais transparência e, conseqüentemente, respeito à Casa.

Michel Temer (PMDB-SP), presidente entre 1999 e 2001, criou todo o sistema de comunicação da Câmara. Inaugurou a TV e a Rádio Câmara, além do Jornal da Câmara e da Agência Câmara de Notícias. Tudo para dar transparência aos trabalhos dos deputados.

O presidente seguinte, Aécio Neves (PSDB-MG), procurou implementar um "pacote ético". Criou o Conselho de Ética da Câmara e da Comissão de Legislação Participativa e a elaboração do Código de Ética dos Deputados. Mas, na Câmara, os altos funcionários costumam apontar a demissão do antigo diretor-geral, Adelmar Sabino, como a melhor decisão de Aécio. A saída do poderoso funcionário abriu caminho para a modernização da Casa. As medidas adotadas por Temer e Aécio foram mantidas depois que deixaram o cargo.

João Paulo Cunha (PT-SP), presidente entre 2003 e 2004, era defensor ferrenho dos cargos de natureza especial e perdeu a oportunidade de moralizar essas contratações. Administrativamente, o petista estabeleceu um limite de 30% dos gastos de cada gabinete com consultorias e determinou a divulgação, no site da Câmara, das contas de cada gabinete. A medida encontrou forte resistência dos colegas, mas funciona bem até hoje.

A reforma administrativa de Aldo vem acompanhada de um pacote de aprovações no plenário de leis moralizadoras. A Câmara aprovou o fim do pagamento das convocações extraordinárias, a diminuição do recesso parlamentar de 90 para 55 dias, o fim do voto secreto, a minirreforma eleitoral e a adoção das bancadas eleitas para a distribuição de cargos e comissões na Casa - na tentativa de incentivar a fidelidade partidária.

As mudanças de Aldo se tornaram possíveis porque ele contou com o respaldo das lideranças de PSDB, PFL e PT. O presidente conversou com todos eles antes de cada medida para conseguir seu apoio. Além desse apoio, a agenda de mudanças foi beneficiada por uma forte perda de força do baixo clero, atingido em cheio pelas crises do mensalão e das Sanguessugas. Essa parcela da Câmara - que faz questão dos benefícios corporativos da Casa - não conseguiu conter as alterações. Sem resistências e com o respaldo de tucanos, pefelistas e petistas - que votaram em massa para a aprovação das medidas -, o caminho ficou livre.