Título: Relatores querem votar o Orçamento e relegar a LDO
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Política, p. A10

O Congresso poderá votar o projeto de Orçamento da União sem aprovar antes o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2007, se depender das respectivas relatorias. Pela Constituição, a lei anual do Orçamento deveria ser antecedida pela LDO. Mas tanto o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) quanto o senador Romero Jucá (PMDB-RR) entendem que "o projeto de LDO perdeu objeto" depois que o governo encaminhou para apreciação a sua proposta orçamentária para o próximo ano.

O líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ), concorda. Acha que o Congresso deve concentrar esforços na discussão do Orçamento e não da LDO, que seria "uma lei inócua". Resta saber, segundo os dois relatores, se há algum impedimento jurídico à tese por eles defendida. Os estudos ainda não foram concluídos. Mas em princípio ambos entendem que não. Há resistência do PSDB. "Não podemos atropelar os procedimentos regimentais", diz o deputado Bismarck Maia (CE), primeiro vice líder do partido na Câmara, defensor da aprovação da LDO.

Além de evitar um atraso na votação do Orçamento, relatado por Raupp, o engavetamento da LDO, relatada por Jucá, evitaria a necessidade de compatibilizar os dois projetos no que diz respeito ao limite de despesas correntes da União. Cálculos de consultores do Congresso indicam o governo previu no Orçamento pelo menos R$ 5,06 bilhões a mais de gastos correntes do que permitiria o teto estabelecido no projeto de LDO como proporção do Produto Interno Bruto (0,1 ponto percentual a menos do que em 2006). Isso se for adotada a interpretação mais flexível da regra. Numa interpretação mais rígida sobre a aplicação do redutor de 0,1% do PIB, o excesso chega a R$ 14 bilhões.

Assim como as que fixam o Orçamento, as leis que estabelecem as diretrizes de sua elaboração são anuais e, portanto, têm vigência apenas para o ano ao qual se referem. "A razão de ser de uma LDO é balizar a elaboração do Orçamento. Se a proposta orçamentária já foi elaborada e está tramitando, não faz mais sentido votar o projeto de LDO 2007. Perdemos o momento", disse Raupp, em entrevista ao Valor.

Na prática, uma grande parte do projeto de LDO é matéria vencida", concorda Romero Jucá, referindo-se às normas de elaboração do Orçamento. Quanto às normas de execução orçamentária, que o projeto também contém, o senador defende que devem virar um anexo da própria lei do Orçamento. Se isso não for possível, Jucá entende que bastaria o governo seguir as normas de execução adotadas nas LDOs anteriores, que são praticamente as mesmas todos os anos.

Romero Jucá lembra que entregou seu substitutivo ao projeto original de LDO no dia 10 de junho. A Comissão Mista de Orçamento chegou a aprová-lo. Por falta de acordo entre os partidos e pelo esvaziamento provocado pelo ano eleitoral, porém, até hoje o plenário do Congresso não votou o projeto.

O artigo 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece, no parágrafo 2º , inciso II, que o projeto de LDO "será encaminhado (pelo Executivo) até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa". Pela Constituição, portanto, o projeto deveria ter sido votado pelo Congresso até 17 de julho, o que não aconteceu. Por causa disso, formalmente não houve recesso parlamentar em julho.

A dúvida agora é se o ano legislativo pode se encerrar sem votação da LDO. Pelo artigo 35 das disposições constitucionais transitórias, o Orçamento anual também deveria ser devolvido pelo Congresso até o encerramento da sessão legislativa na qual foi encaminhado. Nem sempre, porém, esse prazo constitucional foi cumprido na prática. A sessão legislativa de 2005, por exemplo, foi dada por terminada sem que o Orçamento de 2006 tivesse sido votado pelo Congresso.

A LDO fixa, todos os anos, o patamar mínimo de resultado fiscal primário (sem despesas com juros) a ser perseguido pelo governo federal e suas empresas estatais no ano seguinte, de forma que o setor público como um todo também cumpra a meta fiscal consolidada. Apesar disso, Romero Jucá entende que a falta da LDO em nada prejudicaria ou relaxaria a política fiscal em 2007. Ele explica que, por ser compatível com o superávit previsto no PLDO, o próprio Orçamento basta para fazer da meta de resultado primário uma imposição legal.

O senador Valdir Raupp defende que, se não for possível engavetar o projeto de LDO, no mínimo é preciso tirar do substitutivo de Jucá a norma que manda limitar o volume de despesas correntes da União como proporção do PIB. "A aplicação do redutor terá que ficar para 2008 em diante. Para 2007, não há mais como", diz o relator geral do Orçamento.

Raupp está calçado na avaliação dos consultores da Comissão Mista de Orçamento. Segundo eles, como quase toda despesa corrente prevista no projeto de Orçamento para 2007 é de caráter obrigatório, sem mudança do projeto da LDO, tecnicamente não há como compatibilizar os dois projetos. Em tese, o Congresso poderia até tomar uma atitude inédita e fazer um corte nas dotações propostas pelo Executivo. Mas essa seria, no entendimento dos consultores, uma redução artificial, pois as despesas correntes teriam que ser subestimadas.

Já excluídas aquelas não sujeitas ao limite, o projeto de Orçamento prevê R$ 409,5 bilhões de gastos correntes, 17,81% do PIB estimado para 2007. A parte em tese discricionária é de R$ 38,05 bilhões, ou 1,65% do PIB. Mas, além de todo o custeio da máquina administrativa (papel, luz, água, etc), estão consideradas nesse universo despesas politicamente difíceis de cortar, como as do Programa Bolsa Família.

Romero Jucá acha melhor "pular a LDO e votar direto o Orçamento". Mas se isso não for possível, também prefere mudar o seu substitutivo, tirando a regra do redutor, a obrigar Raupp a cortar o Orçamento. Ambos os senadores defendem um salário mínimo de R$ 400 a partir de abril de 2007, o que exigirá do Congresso aumentar - e não reduzir - as dotações para despesas correntes, sobretudo com benefícios previdenciários e assistenciais. A proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo já embute o impacto de um reajuste do salário mínimo, mas para R$ 375 apenas.