Título: Polícia Federal vai investigar grampo no Supremo e no TSE
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Política, p. A8

Inédito, o grampo nos telefones do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) causou preocupação e indignação entre os ministros da Corte. O grampo foi descoberto a menos de 20 dias das eleições. E o TSE está se notabilizando pelo rigor com que tem julgado processos envolvendo políticos na atual campanha.

O TSE chegou a indeferir algumas candidaturas e tem sido bastante rigoroso ao tirar tempo da propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio. O presidente Lula perdeu mais de dez minutos por aparecer no horário destinado aos candidatos nos estados. O candidato tucano, Geraldo Alckmin, também sofreu algumas derrotas.

Publicamente, os ministros evitam especulações sobre o motivo do grampo. O TSE faz varreduras nos telefones dos ministros há nove anos, e nunca identificou nenhum problema. "Após o episódio, ministros disseram-se preocupados porque isso (o grampo) interfere na democracia", declarou o diretor-geral do TSE, Athayde Fontoura Filho.

Mas, o episódio gerou todo o tipo de especulações sobre os motivos da escuta. Dois grampos foram descobertos nos telefones dos gabinetes do presidente e do vice do TSE, Marco Aurélio Mello e Cezar Peluso, no Supremo Tribunal Federal. Mello e Peluso ocupam cargos nas duas Cortes. Um terceiro grampo foi identificado na linha de telefone e fax do ministro Marcelo Ribeiro em seu gabinete no TSE.

Ribeiro ocupa uma das vagas dadas a advogados no tribunal e é um dos ministros responsáveis pela relatoria de processos envolvendo a propaganda dos candidatos. Ele vinha sendo bastante rigoroso em seus votos. O mesmo vale para Mello e Peluso: ambos vinham condenando políticos por supostas irregularidades em propagandas, em especial nos casos de "invasão" de candidatos à Presidência no tempo de candidatos nos estados. Também foi realizada varredura nos telefones do ministro Carlos Ayres Britto, que também atua no TSE e no STF, mas nada foi encontrado. Britto tem sido menos rigoroso nos julgamentos envolvendo propaganda eleitoral. Ele tem se posicionado contra punições nos casos de "invasão".

Mello pediu ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que inicie investigação sobre o grampo. Depois, conversou com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que lhe garantiu que a Polícia Federal também ajudará na apuração do caso. A PF tem novos equipamentos que permitem saber o modelo de escuta utilizado e quais são os fornecedores das escutas.

Mello também comunicou o grampo à presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, que também pediu ao ministro da Justiça que acione a Polícia Federal para investigar a origem das escutas. Duas das três linhas grampeadas eram do STF.

O presidente do TSE disse desconhecer a origem do grampo nos telefones de ministros do órgão. "Se partiu da iniciativa privada, é condenável. Se partiu do Estado (latu sensu), merece excomunhão maior." Ele avaliou que os grampos são reveladores da situação atual do país: "Preocupa e revela a quadra em que vivemos, quase piscodélica, com escândalos aflorando dia-a-dia. Quando imaginamos que todos já surgiram, surge mais um e ficamos perplexos", disse Mello. Ele reuniu-se com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e combinaram que a Polícia Federal vai abrir inquérito para investigar o caso, embora Mello reconheça que seja difícil identificar os responsáveis.

O TSE passará a fazer varreduras semanas até o fim das eleições. E não mais mensais, como fazia antes do episódio. A empresa responsável pelas varreduras, a Fense, constatou que o grampo é sofisticado. "Foi um trabalho de profissionais, e não de amadores", enfatizou Athayde.

Athayde disse que ainda não se tem suspeitas sobre a instalação das escutas e mostrou-se preocupado: "É preocupante. É uma afronta à Casa da Justiça Eleitoral", disse. A varredura que detectou os grampos no STF foi feita a pedido do ministro Cezar Peluso.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busatto, disse que os grampos nos ministros do TSE representam o descalabro do país, das instituições. "Não se respeita mais nada", afirmou.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juiz Rodrigo Collaço, divulgou nota de repúdio à escuta telefônica ilegal descoberta no STF e no TSE. De acordo com a nota, a AMB não aceita que se dê tratamento banal a crime tão grave cometido contra a democracia e exige apuração rigorosa dos fatos, com a punição dos responsáveis. "O procedimento criminoso revela a afronta aos princípios elementares do Estado de Democrático de Direito", disse a nota. (Colaborou Francisco Góes, do Rio, com agências noticiosas)