Título: Fui vítima de uma conspiração
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2012, Política, p. A9

Por duas horas, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) apresentou ontem ao Conselho de Ética do Senado suas explicações sobre as denúncias de envolvimento com o esquema de exploração ilegal de jogos de azar chefiado por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Saiu dali como réu confesso, segundo colegas. A defesa foi considerada bem estruturada e ele até que conseguiu manter a calma. Mas o julgamento no conselho é político. E, pelas conversas com senadores, percebe-se um convencimento de que houve quebra de decoro - o que pode levar à cassação do mandato.

Demóstenes confirmou que Cachoeira, além de lhe dar um rádio Nextel, pagava as contas das ligações, que ele calcula entre R$ 30 e R$ 50 mensais. Negou, no entanto, que tivesse sido informado da suposta proteção contra escuta telefônica. "Recebi o rádio para minha comodidade. Foi um erro. Mas eu não tinha lanterna na popa nem podia adivinhar que era usado para outras atividades nem que 40 ou mais pessoas tinha esse rádio. Hoje, voltando ao passado, é óbvio que não faria", disse.

Uma prática admitida por Demóstenes é o uso de aviões de empresários. "Utilizei aviões de diversos empresários de Goiás, mas não utilizei em troca do meu mandato parlamentar", afirmou. Ele negou que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tenha pego uma carona com ele num avião pago por Cachoeira, em abril de 2011. Relatou ter se encontrado com Mendes em Berlim e que voltaram ao Brasil em voos diferentes. E apenas ele, Demóstenes, teria pego uma carona num avião - do empresário Rossini Aires Guimarães - de São Paulo a Brasília. "Eu utilizei, e não Gilmar Mendes."

A informação sobre essa suposta carona surgiu a partir de diálogos gravados pela Polícia Federal. O senador disse que há, nas degravações, áudios transcritos de forma errada e diálogos truncados e editados. Repetiu ter sido investigado "clandestinamente" durante quatro anos. "Fui vítima de uma conspiração de delegados da PF e setores do Ministério Público para pegar um parlamentar e destruí-lo, para criar um estado policialesco", afirmou. Em tom de alerta, disse aos colegas que qualquer um pode ser vítima.

Negou ter mantido conversas "duvidosas" com ministros do STF. Disse que há, por trás da tal "conspiração", o objetivo de "amedrontar" ministros do STF, ao colocá-lo como "bandido" e tornarem suspeitas conversas mantidas com ele.

Apenas oito senadores fizeram perguntas a Demóstenes, incluindo o relator, Humberto Costa (PT-PE), a quem o goiano tratou com certa arrogância em vários momentos da inquirição. Sugeriu que o relator não havia lido direito o processo. Chegou a elogiá-lo como advogado, o que foi considerado cinismo por colegas, já que Costa é médico psiquiatra. O presidente do conselho, Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), censurou Demóstenes, lembrando que o regimento não exige que o relator seja advogado. O senador goiano acabou pedindo desculpas.

Fernando Collor (PTB-AL) conseguiu fazer de Demóstenes um aliado nas críticas ao procurador geral da República, Roberto Gurgel. O goiano concordou que Gurgel pode ter prevaricado, ao sobrestar o inquérito contra ele no STF. "Pelo menos improbidade administrativa é evidente. Ele tinha três opções. Não fez nenhuma. Foi uma inação. Um dia ele vai ter que explicar", disse Demóstenes. A outra pergunta de Collor, o goiano respondeu revelando ter conhecimento de que Cachoeira era "fonte" do jornalista Policarpo Júnior, da revista "Veja".

Os integrantes do conselho saíram convencidos de que Demóstenes tinha conhecimento das atividades ilícitas de Cachoeira - fato que ele, por várias vezes, afirmou desconhecer. Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) condenando o uso, por um senador, de "qualquer coisa doada por um contraventor". Pedro Taques (PDT-MT) também inquiriu, e se irritou quando Demóstenes respondeu com outra pergunta. Mas ninguém foi tão duro quando Mário Couto (PSDB-PA).

O tucano disse que Demóstenes era uma de suas maiores decepções e perguntou, para aliviar seu próprio "sofrimento", se a voz nas gravações era do goiano. Ele confirmou, embora alegando edições. Couto disse que, se a voz era mesmo dele, "com sinceridade, a coisa está bem atrapalhada" para Demóstenes.

Ficou claro que, para os senadores, permaneceram dúvidas com relação a conversas gravadas pela Polícia Federal relativas a dinheiro supostamente dado a Demóstenes. Em uma delas, Gleyb Ferreira da Cruz - segundo PF uma espécie de tesoureiro de Cachoeira- dá a entender que está na porta da casa do senador esperando para entregar R$ 20 mil. Demóstenes negou ter recebido dinheiro e disse que "os áudios são contraditórios". Afirmou ter recebido de Gleyb, na verdade, seis taças de vinho de presente de casamento, que seria no dia seguinte.

Em conversa entre Cachoeira e Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta no Centro-Oeste, o assunto é a entrega de R$ 1 milhão a Demóstenes. No que chamou de "prova negativa", o senador exibiu documentos que, segundo ele, mostram não ter havido esse depósito em sua conta.

Sobre a conversa na qual revela a Cachoeira ter recebido informação sobre uma operação do Ministério Público contra jogos de azar, Demóstenes alegou ter "jogado verde", para verificar se ele havia de fato abandonado a atividade ilícita. Mais uma vez, não convenceu os colegas.

Demóstenes foi muito questionado sobre a conversa com Cachoeira sobre projeto de lei que tornava os bingos uma contravenção. O senador diz ao empresário que a proposta "o pegaria". Ao conselho, o parlamentar diz não ter tomado qualquer providência a favor do projeto e que agiu "por gentileza, como fazia em vários outros casos". Invocou o testemunho dos colegas. "A prova negativa de que eu era lobista são os senadores", afirmou.

"Peço que eu seja julgado pelo que fiz e não pelo que falei", disse. Apesar de mostrar calma, Demóstenes usou tom de desabafo algumas vezes, como quando disse ter redescoberto Deus. "Se eu cheguei aqui foi porque readquiri a fé e graças a Deus", afirmou.

Frases de Demóstenes

"A verdade vai prevalecer"

Ao concluir o depoimento à CPI

"Ele prevaricou"

Sobre o procurador-geral da República, Roberto Gurgel

"Tenho todas as condições de enfrentar todas as acusações no mérito, todas as perguntas. Mas o fato é que a investigação é ilegal e coloca em risco a democracia no Brasil"

Sobre as escutas telefônicas feitas pela PF

"Essa é uma história maliciosa"

Ao negar irregularidades em encontro no exterior com Gilmar Mendes

"Como eu posso ser sócio de alguém que eu não conheço? O sócio oculto da Delta não sou eu. Se tem algum sócio oculto da Delta, procurem com uma lupa maior"

Ao negar ter participação na Delta

"A prova negativa de que eu era lobista e queria a aprovação de jogos são os senhores senadores"

Ao negar lobby pela legalização de jogos

"Redescobri Deus. Se eu cheguei até aqui, é porque readquiri a fé"

Ao afirmar que pensou em renunciar