Título: Prejuízo com crises financeiras chega a US$ 2,5 trilhões
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Empresas, p. B2

O colapso financeiro de cem grandes companhias nos Estados Unidos e na Europa nos últimos cinco anos provocou perdas totais no valor de US$ 2,5 trilhões - três vezes maior que o PIB do Brasil. Os principais culpados? Os patrões.

Estudo de dois professores da Universidade de Genebra, Gilberto Probst e Sebastian Raisch, acaba de ganhar um prêmio por sua análise de como companhias como Enron, WorldCom, Vivendi, ABB e Swissair, no auge da glória e vedetes dos mercados financeiros, mergulharam repentinamente no abismo.

Eles esmiuçaram as 50 principais falências na Europa e nos Estados Unidos, seguidas pelos 50 "crashs" mais importantes de empresas que perderam pelo menos 40% de seu valor nos últimos cinco anos. As razões dos fiascos apresentadas no estudo são surpreendentes.

O estudo estima que a maioria das falências e quedas dramáticas de valor foi "autoprovocada", resultado de decisões internas, e não era inevitável. O estudo aponta os quatro problemas mais comuns: crescimento, mudanças nas organizações, os dirigentes e "cultura do sucesso".

"Fomos surpreendidos pela existência de duas categorias de empresas na crise", diz o professor Probst. Em 70% dos casos trata-se de síndrome de saturação (crescimento muito rápido) e em outros 30% ocorre a síndrome de envelhecimento precoce (expansão muito lenta).

No primeiro grupo, empresas triplicaram de tamanho em apenas cinco anos - quatro vezes mais do que suas condições financeiras permitiam. O apetite sem limite invadiu a maioria das companhias. O volume de negócios da Enron aumentou 2000% entre 19997-2001. A ABB adquiriu 60 empresas em dois anos, a WorldCom 75 em três anos, e a Suez 300 em cinco anos.

O resultado é que em apenas seis processos falimentares - da WorldCom, Enron, Conseco, Global Crossing, United Airlines e Kmart -, 125 mil pessoas perderam o emprego e os ativos destruídos alcançaram cerca de US$ 300 bilhões.

A voracidade também foi marcante em empresas cujos débitos vão prejudicar seu desenvolvimento por anos. As três grandes companhias européias de telecomunicações - British Telecom , Deutsche Telecom e France Telecom - acumularam dívidas totais acima de US$ 150 bilhões.

Outro erro: toda empresa que depende da capacidade de uma única pessoa para dirigi-la vive perigosamente. Cercados de assessores cegamente indulgentes, sua conduta torna-se crescentemente excessiva. Não é um acaso se entre os líderes das empresas atingidas estavam o "super-herói" Bernie Ebbers, da WorldCom, o "gênio" Jean Marie Messir, da Vivendi, o "padrinho" Percy Barnevik, da ABB, ou ainda o "Napoleão holandês", como era chamado o presidente da Ahold, Cees van der Hoeven.

Cedo ou tarde o alto crescimento satura os mercados originalmente visados. Para continuar se expandindo, a maioria das companhias continuou se diversificando agressivamente em novas áreas. A absorção de novas equipes e recursos provocou a erosão do negócio principal. Um típico exemplo apontado pelo estudo é a própria ABB, que se tornou um grupo dissipado.

O excesso de cultura do sucesso também é apontado como um erro cruel. Os sistemas de compensação competitiva visavam motivar os empregados com altos salários, bônus e oportunidades de promoção. Isso resultou em um rígido sistema de seleção, longas horas de trabalho e a crença de forte rivalidade. Funcionários de companhias como Enron, Finova Group, Tyco, Time Warner ou WorldCom caracterizaram depois as culturas dessas empresas como "egoístas", porque a enorme rivalidade entre eles erodiu a confiança interna.

O segundo grupo estudado é o de companhias com síndrome de crescimento prematuro marcadas justamente pelo contrário das companhias hiperativas: crescimento estagnado, pouca mudança organizacional, direção fraca e falta de ambição. Os autores apontam 12 companhias nesse caso, incluindo Eastman Kodak, Fiat, Ford, Goodyear, Marks & Spencer, Motorola, Reuters, Sprint, Sun Microsystems, United Airlines e Xerox.

Um bom exemplo é o da Eastman Kodak. Para proteger seu negócio principal, de filmes, ignorou a tendência da foto digital. Perdeu a aposta.

"Sao duas síndromes e uma lógica de fiasco", diz o professor Probst. "Mostram que tanto valores muito altos ou muito baixos podem ser negativos para uma companhia no longo prazo."

Os autores destacam a noção de "crescimento equilibrado" nas empresas. Apontam como exemplo de equilíbrio entre os dois extremos a situação bem-sucedida de BMW, General Electric (GE), Siemens e Toyota.

Para Probst, o número de organizações prejudicadas na investigação revela que o perigo é real para todas as empresas, hoje e no futuro. A boa notícia é que as companhias não enfrentam o perigo defensivamente. Os autores dão sua receita final: crescimento é importante - a menos que se torne excessivo. Mudança é positiva- se preservar a identidade da companhia. Líderes com visão é benéfico - desde que repartam o poder. E competição interna para melhorar o desempenho - se incorporar cultura de confiança mútua.

Tão surpreendente quanto as conclusões do estudo, segundo Probst, foi ganhar o "Academy of Management Best Paper Award Winners 2006", prêmio concedido pela Academia de Administração, instituição americana com 16 mil membros de 99 países. "Os americanos não gostam de falar do que não funciona. Talvez eles tivessem preferido um estudo sobre sucessos", conclui.