Título: BC culpa governo por inflação maior
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 29/10/2010, Economia, p. 11

Despesas públicas em alta e crédito farto oferecido pelos bancos federais são os principais motivos para a elevação das projeções de preços, afirma o Banco Central. Sem uma alteração de rota na política fiscal, um novo aperto monetário será obrigatório

O Banco Central revisou para cima as projeções de inflação para 2010 e 2011 e, sem hesitar, jogou a culpa nas despesas exageradas do governo e na política de crédito dos bancos públicos. Especialistas ouvidos pelo Correio são unânimes: o teor da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, deixa um recado para o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Se ele não botar um freio na gastança, haverá um novo aperto monetário. O prazo para o ajuste, alertam, vai depender da atitude fiscal do próximo presidente da República, que precisará aliviar o Orçamento e fazer um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) sem maquiagens.

Em um cenário de guerra cambial, com o real valorizando-se em relação ao dólar e tirando competitividade da indústria nacional, elevar os juros básicos da economia liquidaria com os esforços do governo para conter a entrada da divisa americana no país nos últimos meses. Se um novo aperto monetário ocorrer, uma enxurrada de capital estrangeiro se voltará para o Brasil em busca dos títulos de renda fixa atrelados à taxa básica de juros (Selic). Nesse cenário, o real ficará ainda mais forte, os importados tomarão conta do comércio e as fábricas perderão espaço para as concorrentes chinesas.

Desconforto Na ata da última reunião do Copom, comandada por seu presidente Henrique Meirelles, o BC apela para mudanças na política fiscal a fim de conter as pressões inflacionárias e para, enfim, ter espaço para baixar juros, sustentam os analistas. Isso não é de hoje. O Mantega comentou que essas despesas exageradas não são inflacionárias. Não é possível que ele ache que não. É óbvio que isso causa um desconforto, afirma Eduardo Otero, economista-chefe da corretora Um Investimento. Ele (ministro) gasta de um lado e o BC fica do outro tentando compensar, critica.

No parágrafo 29 do documento divulgado pelo Banco Central, a instituição destaca que revisou as projeções de inflação para cima, porque a demanda doméstica está robusta em função do crescimento da renda e da expansão do crédito. Aponta ainda o dedo para as despesas públicas exageradas. Impulsos fiscais e creditícios foram aplicados na economia nos últimos trimestres e ainda deverão contribuir para a consolidação da expansão da atividade, diz um trecho. Tradução: a expansão do crédito e dos gastos públicos está impulsionando a demanda e tornando o custo de vida mais pesado.

Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, avalia que, apesar de todo o cenário de riscos, a autoridade monetária afirma que terá êxito em levar a inflação para a meta de 4,5% ao ano com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Mas, em diversos trechos da ata, demonstra insegurança. O BC espera que se pratique uma contenção nos gastos públicos e na expansão do crédito. Ele também acredita que os efeitos do último aperto monetário ainda não se materializaram, porém, não está seguro quanto à convergência da inflação para a meta, diz.

Alimentos Além da gastança de dinheiro público e do crédito farto, a autoridade monetária destacou na ata outros fatores que preocupam e estão impactando as projeções de inflação para este e para o próximo ano. O choque de oferta de alimentos é um dos pontos mais destacados no documento. Segundo o BC, já era algo previsto em função da quebra de safras no Brasil e no exterior. A expectativa é que no último quadrimestre do ano os preços de itens alimentícios continuem a pesar na inflação.

A elevação dos preços das commodities também é apontada como fator de risco pela instituição, mas em ouro trecho da ata a preocupação é amenizada em razão de influências desinflacionárias sobre a inflação interna. Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora discorda. Avaliamos que a persistência da fraqueza do dólar no curto prazo, mesmo com toda volatilidade, deverá manter preços médios elevados nos próximos meses, e portanto, um viés menos deflacionista do que o esperado.

Outro fator de pressão recai no mercado de trabalho, que caminha para o pleno emprego (taxas de desocupação abaixo de 6%). Com pouca mão de obra qualificada disponível, os salários tendem a subir e deixar o custo do setor produtivo mais elevado. A capacidade da indústria também acendeu o sinal amarelo para os técnicos do BC. Registrou duas quedas seguidas e está com uma baixa margem para expansão, o que pode comprometer a oferta de produtos caso a demanda se mantenha aquecida.

Desaceleração A redução da alta dos preços no atacado e na contração levaram a uma desaceleração na inflação medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M). O indicador subiu 1,01% em outubro, após elevação de 1,15% em setembro, informou a Fundação Getulio Vargas (FGV). Mas os custos do grupo alimentação tiveram elevação de 1,23%, ante 0,56% na apuração anterior. No ano, o indicador já subiu 8,98%.

TENTATIVA FRACASSADA

Gabriel Caprioli

Com o mal disfarçado objetivo de inflar a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, o governo ampliou a gastança nos últimos dois anos e mantém o ritmo, mesmo após a atividade doméstica reagir à crise. Com a elevação no tom das críticas à leniência fiscal, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenta convencer a opinião pública de que, ao contrário do que ensinam as escolas de economia, o incremento das despesas não aumenta a demanda agregada nem pressiona a inflação.

Para os agentes econômicos, no entanto, o discurso não tem consistência e esconde distorções que a política fiscal perdulária ocasiona, como a supervalorização do real, reflexo da enxurrada de capital externo que vem em busca da rentabilidade dos juros reais mais altos do mundo. O próprio Banco Central vem alertando para a pressão dos gastos públicos na trajetória da inflação, ao justificar a manutenção da taxa Selic em 10,75% ao ano.

A posição de Mantega é uma tentativa fracassada de mostrar que existe austeridade fiscal. Todo mundo sabe que ela não existe mais, afirmou o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. Enquanto Mantega mantém o tom, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, encarrega-se de legitimar as diversas manobras contábeis utilizadas para maquiar o resultado das contas públicas. A última foi utilizar R$ 31,9 bilhões da capitalização da Petrobras para exibir artificialmente o maior superavit fiscal já visto em um único mês.

Ao anunciar o resultado, o secretário alegou que receitas com concessões sempre foram utilizadas para compor o resultado. Ele só esqueceu de dizer que a diferença entre esse recurso e os anteriores é que, agora, dívida emitida pelo Tesouro passou a ser contabilizada como receita, detalhou um técnico do governo. Sem o artifício, haveria um deficit de R$ 5,9 bilhões em setembro.