Título: Crise das farmacêuticas coloca em xeque cargo dos principais executivos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Empresas, p. B9

Este não é o melhor dos momentos, ao que parece, para comandar grandes laboratórios farmacêuticos. No último ano e meio, foram demitidos três chefes de grandes empresas do setor, sendo dois deles nos últimos dois meses. As três demissões, é verdade, tiveram causas bastante diferentes.

A Merck tirou Raymond Gilmartin em maio de 2005 na esteira do escândalo com o antiinflamatório Vioxx, no qual a empresa teve de retirar do mercado o medicamento contra artrite, de altas vendas, por acusações de aumento no risco de ataques cardíacos.

A saída de Henry McKinnell da Pfizer em julho passado foi resultado de sua resposta arrogante e indiferente à preocupação dos acionistas com o declínio das ações da empresa. E a demissão de Peter Dolan do cargo máximo da Bristol-Myers Squibb na semana passada ocorreu por não conseguir lidar com o desafio enfrentado pelo Plavix, um rentável medicamento antitrombótico da empresa, com um rival genérico.

Os três casos, no entanto, de certa forma, são conseqüência de tendências mais profundas. O analista Viren Mehta, especializado no setor, argumenta que duas recentes mudanças deixaram os chefes das farmacêuticas em uma posição difícil. A primeira, afirma, é que a indústria farmacêutica está "no meio de uma viagem da ´velha ciência´ para a ´nova ciência´". O modelo tradicional, baseado principalmente na química e biologia básica, começou a dar lugar para uma nova abordagem, baseada na biotecnologia, computação, química avançada e combinações das três.

Enquanto os chefes farmacêuticos investem grandes quantias para dominar essas novas capacidades, a segunda grande mudança, os genéricos, dificulta esse trabalho. Descobrem que fontes de lucro com drogas tradicionais, outrora confiáveis, agora podem secar de repente. Um número inédito de patentes vencerá neste ano e no próximo, sendo que há poucos novos medicamentos saindo dos laboratórios. Ainda mais problemático é o fato de que os fabricantes de genéricos desafiam até patentes - como no caso da Bristol-Myers Squibb com o Plavix - que tinham anos de lucro pela frente.

A nova realidade do setor, diz Mehta, é que o mercado para uma droga de altas vendas pode ruir da noite para o dia. Não é exagero do analista: em agosto, a Bristol-Myers Squibb perdeu 75% do mercado do Plavix para o rival genérico em duas semanas. Em um ambiente complicado, passos em falso toleráveis em tempos mais amenos agora podem colocar a cabeça dos executivos em jogo.

O cenário bem mais árido enfrentado pelas grandes farmacêuticas é o elo de ligação entre as três demissões, avalia Chris Schott, do Bank of America. No passado, era possível obter crescimento na receita entre 10% e 15%, mas agora muitas gigantes enfrentam estagnação ou até situações piores. À medida que as perspectivas de crescimento se esvaem, o mesmo acontece com os preços das ações.

Mas, então, substituir o executivo-chefe pode realmente consertar o que prejudica essas empresas? É muito cedo para dizer. Richard Clark ganhou, em geral, alguns pontos por guiar a Merck em meio ao caso Vioxx, mas há duas semana deu um passo atrás com a revelação de uma pesquisa "externa" sobre o assunto financiada pela empresa, que segundo especialistas foi um desastre para a empresa. Jeffrey Kindler, o novo chefe da Pfizer, teve um início impressionante, anunciando ampla remodelação e comprometendo-se a tornar a empresa "mais ágil e empreendedora" - mas não se sabe se ele realmente o conseguirá fazer.

Para a Bristol-Myers Squibb, o futuro é ainda mais incerto. O presidente do conselho de administração, James Robinson, proclamando que alguém precisava ser responsabilizado pela incompetência no topo, demitiu o executivo-chefe e o assessor jurídico. A escolha de James Cornelius como executivo-chefe interino alimentou as especulações de que o conselho estaria disposto a vender a empresa. Cornelius, quando esteve no mesmo cargo na fabricante de aparelhos médicos Guidant, preparou a venda da empresa.