Título: Cien quita débito fiscal com Refis
Autor: Goulart, Josette
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Legislação & Tributos, p. E1

A Companhia de Interconexão Energética (Cien), braço brasileiro da espanhola Endesa, pagou ao fisco no fim de agosto R$ 270 milhões para quitar uma autuação recebida por uso irregular do "drawback" interno - benefício tributário concedido em importações. A empresa aproveitou o Refis III e pagou o débito à vista para ter o desconto de 80% na multa e de 30% nos juros, e com o pagamento da dívida consegue ainda minar um possível processo por crime tributário contra os diretores da empresa em uma investigação conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.

A autuação de R$ 270 milhões da Cien partiu da Delegacia da Receita Federal em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, e foi o estopim para a revisão de todos os regimes especiais de drawback para fornecimento no mercado interno concedidos nos últimos dez anos pelo governo brasileiro. Ao todo foram abertos 33 processos administrativos para rever 70 atos concessórios que beneficiaram grandes empresas de infra-estrutura com a suspensão ou isenção de impostos na importação de insumos e componentes destinados à industrialização de máquinas e equipamentos. A suspeita de fraudes na concessão do benefício pelo Departamento de Comércio Exterior (Decex) levou o Ministério do Desenvolvimento a até mesmo cancelar a concessão do drawback interno no início deste ano.

Os empresários do setor de infra-estrutura não gostaram nada da suspensão e algumas empresas chegaram a adiar projetos que desenvolveriam no Brasil por não poder mais reduzir os impostos decorrentes deles. O regime aduaneiro especial foi ampliado na década de 1990, pela Lei nº 8.032, para as importações que serviriam apenas para o fornecimento interno, sem a necessidade de haver uma exportação futura, como era até então exigido. Mas a lei instituiu alguns requisitos, como a necessidade de licitação internacional ou que os projetos tenham financiamento de órgãos internacionais.

As supostas fraudes agora investigadas dizem respeito justamente a diversas licitações que conseguiram o benefício em conjunto com funcionários do Decex no Rio de Janeiro. Segundo consta do inquérito, durante o processo de construção de uma estação conversora de ciclagem para transmissão de energia importada da Argentina, a Cien fez uma série de importações no regime suspensivo de drawback. A obra fazia parte de um processo de licitação internacional do governo brasileiro realizado em 1998. Segundo informações dadas pela Cien ao Valor em julho deste ano, quando foi publicada reportagem sobre o assunto, a companhia alegou que não tinha vencido a licitação, tendo ficado em segundo lugar, mas acabou celebrando o contrato com o governo brasileiro pois a vencedora do processo de licitação teria desistido da empreitada. A empresa alegou na época que todos os contratos foram firmados com cláusulas que expressavam o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos pela legislação e órgãos competentes para a concessão do benefício.

Mas, de acordo com os fiscais da Receita Federal que fizeram a autuação fiscal, a empresa não fabricou máquinas e equipamentos no país a partir de suas importações, não forneceu máquinas e equipamentos para o mercado interno e nem forneceu o sistema de transmissão, condições para ter o direito ao benefício do drawback. Além disso, outra condição não foi atendida, segundo a autuação, que era o financiamento internacional prévio e integral para pagar as importações.

O procurador responsável pelo caso no Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, José Augusto Simões Vagos, disse que o pagamento do débito tributário extingue a possibilidade de abertura de um processo penal por crime tributário, mas informa que a investigação não se atém apenas a esta modalidade de crime e que, portanto, o inquérito que investiga irregularidades supostamente cometidas pela empresa não será encerrado. Diversas outras empresas que receberam o benefício também serão investigadas. Há duas semanas, o inquérito realizado pela Polícia Federal foi recheado com volumes de todos os processos administrativos enviados pelo Decex e pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) em resposta a um ofício de Vagos.

Procurada pelo Valor, a Cien, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não comentaria o assunto.