Título: A racionalização do sistema tributário
Autor: Branco, Vinicius
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Temos ouvido, quase que diariamente, críticas contundentes ao nosso sistema tributário. O alvo da grande maioria dessas críticas tem sido, invariavelmente, nossa elevadíssima carga. É claro que o expressivo peso de nossos tributos emperra o desenvolvimento do país, afugenta o investidor e incentiva a informalidade. Pouco se comenta, contudo, sobre a irracionalidade de nosso sistema tributário.

Hoje, temos dois tributos que incidem sobre bases praticamente idênticas (o imposto de renda e a contribuição social), duas contribuições que incidem sobre o faturamento (PIS e Cofins), quatro impostos e duas contribuições exigidas sobre importação (Imposto de Importação, IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) e três impostos que incidem sobre a saída de bens ou serviços (IPI, ICMS e ISS). Some-se a eles o IOF (que incide sobre cinco hipóteses de operações financeiras), o Imposto de renda na Fonte, Cide, IPTU, ITCMD, ITBI, ITR, IPVA e a famigerada CPMF, sem esquecer da contribuição ao INSS e seus penduricalhos (assim entendidas as várias contribuições para o sistema "S" acrescidas do SAT, e o salário educação), e as taxas federais, estaduais e municipais instituídas sob os mais diversos rótulos.

Lamentavelmente, o contribuinte é verdadeiro refém de inúmeras normas estabelecendo regras não só para cálculo e pagamento como também para a declaração de impostos, contribuições e taxas devidos à União, Estados e municípios. Ou seja, além de arcar com uma elevadíssima carga tributária, é também vítima de infernal burocracia que o obriga a prestar, periodicamente, informações detalhadas sobre os tributos devidos.

Esse sistema é absolutamente incompatível com a realidade de um país que anseia a modernização e inserção na economia globalizada, fruto da premissa equivocada de que o sistema federativo exige, necessariamente, autonomia para que cada ente tributante institua e regule seus próprios tributos, e da resistência - sobretudo da União - a partilhar suas receitas com Estados e municípios.

Essa suposta autonomia tem levado à multiplicação das diversas espécies de tributos e contribuições, resultando em um verdadeiro monstro, que não hesita em asfixiar o contribuinte que peque por não conhecer, em detalhes, o complexo arcabouço de normas que Becker já denominava de "carnaval tributário".

Ora, é humanamente impossível, até mesmo para os mais versados operadores, o cumprimento rigoroso de todas as leis, medidas provisórias, decretos, portarias e atos administrativos que diariamente são editados pelos poderes competentes. Isso mostra a enorme distância que separa os burocratas, instituidores de normas, da realidade vivida pelo contribuinte, especialmente do pequeno empresário.

-------------------------------------------------------------------------------- Cabe a cada um de nós exigir do Executivo e Legislativo a racionalização do sistema tributário --------------------------------------------------------------------------------

O resultado disso é que para atender a todas as exigências previstas na legislação tributária, as empresas são obrigadas a manter departamentos especializados no controle e pagamento de tributos ou recorrer a terceiros que tenham capacidade para fazê-lo, suportando o respectivo ônus. Em última instância, esse custo é somado ao dos tributos propriamente ditos e transferido ao consumidor final, afetando o preço dos produtos e serviços.

Pior de tudo é que, por uma questão de absoluto comodismo, os entes tributantes têm recorrido, de forma cada vez mais freqüente, à tributação sob o regime de fonte ou de responsabilidade tributária, sobrecarregando ainda mais os que produzem riquezas e tornando ainda mais caótico o nosso já complexo e combalido sistema.

Isso somente será resolvido a partir do momento em que União, Estados e municípios tomarem consciência do problema e abrirem mão dessa suposta autonomia, facilitando a vida do contribuinte e permitindo um maior controle da arrecadação, em benefício de todos.

Por que não unificar tributos que tenham a mesma base de cálculo e o mesmo fato gerador, partilhando-se o resultado entre os entes tributantes, como aliás, já prevê a Constituição Federal em relação ao imposto de renda, ao IPI e ao ICMS? Porque não consolidar a legislação de cada tributo em um mesmo diploma legal? Porque não facilitar a vida do contribuinte, que não tem outra alternativa senão a de continuar arcando com a exagerada carga burocrática, além da fiscal?

Dir-se-á, uma vez mais, que esse fenômeno decorre de nosso sistema federativo, que impõe a descentralização administrativa. Nada mais falso, pois o regime republicano só tem razão de ser se atender aos interesses dos que o escolheram democraticamente. Se ao invés de ajudar, esse sistema atrapalha aqueles que contribuem para a sua subsistência, então melhor seria rever o quanto antes a sua conveniência.

Cabe a cada um de nós exigir, dos poderes Executivo e Legislativo a racionalização de nosso sistema tributário em benefício de todos, paralelamente à redução da carga fiscal. Essa racionalização certamente trará benefícios a todos, incluindo os entes tributantes, e aumentará a transparência da administração, permitindo que cada um de nós saiba exatamente o quanto está contribuindo para o custeio do país. Não seria exagero antever que essa racionalização levará a um incremento de arrecadação, proporcionado pela melhoria dos controles e pela facilidade de acesso dos contribuintes aos meios de pagamento, sem que seja necessária qualquer majoração da carga atual. Para tanto, basta apenas vontade, coragem e determinação de nossos governantes na busca de um modelo compatível com nossa realidade e com as nossas necessidades.

Vinicius Branco é advogado e sócio do escritório Levy & Salomão Advogados

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