Título: Regra da lei Kandir pode tirar R$ 17 bi de Estados e municípios
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2006, Brasil, p. A3

Os Estados correm risco de perder, a partir de 2007, cerca R$ 17 bilhões por ano em receitas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. A estimativa é do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), diante da entrada em vigor, em janeiro, do dispositivo da Lei Kandir que permite às empresas abater do imposto a pagar o ICMS embutido no preço das mercadorias adquiridas para uso e consumo próprio e nas contas de energia elétrica e de telefone. Entre estas despesas, incluem-se gastos com materiais de uso cotidiano, como papel e canetas, por exemplo.

Hoje, só geram crédito tributário de ICMS as aquisições de matérias primas e insumos, ou seja, produtos que entram diretamente no processo produtivo. No caso da energia elétrica, só pode ser considerada aquela consumida no processo de industrialização. O que as empresas compram para seu próprio consumo, como material de escritório e de limpeza, só dará direito a abatimento a partir de janeiro de 2007, pelas regras atualmente em vigor.

Tramita, no Senado, um projeto de lei complementar adiando para janeiro de 2011 esse alívio na carga tributária das empresas. Para valer já em 2007, contudo, além de aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados por maioria qualificada, o adiamento precisa ser sancionado pelo presidente da República ainda este ano. Caso contrário, mesmo aprovada, a iniciativa do Senado só terá efeito em 2008, por causa da regra que exige aprovação no ano anterior para esse tipo de matéria tributária.

Alguma perda já é irreversível. O Confaz (organismo que reúne os secretários estaduais da Fazenda) entende que, além do princípio da anterioridade em relação ao ano, se aplica também a antecedência mínima de 90 dias ('noventena') para que o projeto entre em vigor.

Para que os Estados não tivessem nenhuma perda, seria necessário, portanto, aprová-lo e sancioná-lo até final deste mês, o que é impossível, diante do esvaziamento provocado pelas eleições e pela necessidade de passar também pela Câmara de Deputados. Mesmo após as eleições, a tramitação do projeto esbarrará em obstáculos como trancamento da pauta de votações por Medidas Provisórias.

Cada mês de atraso na aprovação do projeto, a partir do final de setembro, representa uma perda de R$ 1,4 bilhão, segundo cálculos do Confaz. Assim, se aprovado no final de dezembro, o adiamento da desoneração só surtiria efeito a partir do início de abril, levando os Estados a perder R$ 4,2 bilhões.

A versão original do projeto - que mantém a situação atual por mais quatro anos - foi apresentada pelo senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA). Preocupado com a situação fiscal dos Estados, ele queria adiar a mudança prevista na Lei Kandir para janeiro de 2017. A data de 2011 foi sugerida pelo relator, senador Waldir Raupp (PMDB-RO). O substitutivo dele foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Mas falta aprovação do plenário do Senado para que o projeto seja enviado à Câmara dos Deputados.

Não há, segundo Raupp, um acordo prévio para aprovação da matéria na Câmara. Apesar disso, ele está convicto de que o PLC será sim aprovado e sancionado a tempo de entrar em vigor antes de janeiro de 2007 e evitar perda de R$ 17 bilhões para os Estados.

"Todos concordam com o projeto", diz Raupp, referindo-se aos partidos de oposição e à base do governo. Afinal, a desoneração será um problema para os governadores que tomarão posse em janeiro. Os prefeitos também querem a aprovação da iniciativa de Tourinho. Do total de perda anual estimada, R$ 4,25 bilhões referem-se à parte que, por lei, deve ser repassada aos municípios.

Se o projeto for aprovado a tempo, essa será a terceira vez que o Congresso Nacional posterga a ampliação do direito das empresas à apropriação dos créditos de ICMS. A versão original da Lei Kandir, aprovada em fins de 1986, previa que as mercadorias de consumo próprio e os gastos com energia e telefone seriam considerados a partir de janeiro de 2000.