Título: Consumo migra para carros e construção
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2006, Brasil, p. A3

O comércio mudou de perfil em julho. As vendas de veículos e motos e material de construção tiveram um peso grande nesse mês, com altas de 15,7% e 10,6%, respectivamente, na comparação com julho de 2005. Com isso, o desempenho do comércio varejista ampliado, que inclui esses bens, foi positivo em 6,6%. No entanto, o indicador mais utilizado pelos analistas, que exclui esses produtos, subiu muito menos: 2,3%. Em relação a junho, houve queda de 0,45%, pelos cálculos com ajuste sazonal - o segundo resultado negativo consecutivo. Essa série exclui veículos e construção.

Apesar do consumo como um todo ter crescido 6,6%, essa elevação não ocorreu de forma homogênea. Enquanto os setores como veículos e material para construção venderam muito mais em julho deste ano, os hiper e supermercados e os móveis e eletrodomésticos tiveram um desempenho menos favorável do que em junho, mas ainda permanecem com taxas de variação positivas.

O setor de super e hipermercados, chamado de não-durável, vendeu 4,97% mais em julho do que em igual mês de 2005. Em junho, a alta havia sido de 8,56%. Já os móveis e eletrodomésticos foram de uma variação positiva de 15,24% em maio, para 3,13% em junho e 2% em julho, sempre em relação a 2005.

Para Fernando Montero, economista da Corretora Convenção houve uma migração no consumo brasileiro. Segundo ele, o setor de eletroeletrônicos sofre com uma ressaca, após a antecipação de compras para a Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, esse consumo foi canalizado para outros produtos ligados ao crédito, como automóveis e materiais de construção.

Essa também é avaliação de Camila Saito, da Tendências Consultoria. Uma explicação para os resultados da Pesquisa Mensal do Comércio, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), terem vindo aquém do esperado pode estar relacionado ao deslocamento de demanda para a compra de automóveis, segmento com forte evolução forte nas vendas nos últimos dois meses. E a venda desses produtos não é contabilizada pelo indicador do comércio, apenas pelo indicador ampliado.

A continuidade do crescimento do crédito à pessoa física, aliado a renda em alta e uma melhora nos indicadores do consumidor levam a Tendências a esperar resultados positivos para o comércio varejista nos próximos meses. Pelos dados do Banco Central, em julho houve aumento de 1,8% na concessão de crédito à pessoa física em relação a junho, com ajuste sazonal. No ano, a alta está em 11,8%. A projeção de Camila é de um crescimento de 21,5% no acumulado de 2006 - número inferior ao de 2005 (29,6%), mas ainda forte, diz a economista.

No entanto, há quem acredite que o endividamento do consumidor brasileiro já chegou a um limite e que as perspectivas para o varejo são nebulosas. É o caso de Débora Nogueira, da Rosenberg & Associados. "As pessoas estão quitando suas dívidas agora. Poucas pegam crédito para consumo e há também quem adquira empréstimos para pagar outras dívidas", diz. Ela argumenta que o pico de crescimento da renda neste ano já ocorreu, com a injeção do reajuste do salário mínimo. "Daqui para frente o comércio deve vir nessa mesma toada fraca", avalia. A Rosenberg espera que a economia cresça pouco esse ano: 2,9%.