Título: Diferentes obstáculos paralisam 20 obras
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2006, Brasil, p. A4

Nos últimos quatro anos, mais de duas dezenas de obras de infra-estrutura as quais o governo atual atribuiu prioridade não saíram do papel ou sofreram grandes atrasos, apesar de terem sido lançadas com grande entusiasmo. Os obstáculos aos projetos refletem não apenas morosidade administrativa da equipe de Luiz Inácio Lula da Silva, mas também a ação da Justiça e dos órgãos ambientais.

Em alguns casos, como a dicussão da retomada ou não das obras da usina nuclear de Angra 3 e da melhor forma de viabilizar a pavimentação da BR-163 (Cuiabá-Santarém), a paralisação decorreu da indecisão do governo federal. Outros, como o projeto de transposição do rio São Francisco - que está há mais de um ano parado no Supremo Tribunal Federal (STF) - são alvo de liminares judiciais. E há, ainda, as pendências ambientais, que entre outros, mantém interrompido o processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, gigantesco empreendimento que o governo anunciou como solução para o fornecimento de energia na próxima década.

A lupa do Tribunal de Contas da União (TCU) também passou a examinar mais de perto as grandes obras de infra-estrutura e barrou o prosseguimento de licitações como a da Ferrovia Norte-Sul, na semana passada. Os desentendimentos entre o governo e o TCU impedem a concessão de sete lotes de rodovias federais, entre elas a Fernão Dias e a Régis Bittencourt.

O atraso ou a paralisação de 16 grandes projetos analisados pelo Valor - entre os mais de 20 parados ou atrasados - tem reflexo nos fluxos de investimento. Somente esses empreendimentos têm potencial para movimentar cerca de R$ 90 bilhões, segundo as estimativas de gastos com obras. Sem falar no impacto para a expansão da economia como um todo, implícito na remoção dos gargalos na área de infra-estrutura.

De janeiro de 2003 a julho deste ano, o investimento direto estrangeiro (IDE) em cinco setores de infra-estrutura (petróleo, energia e gás, saneamento, transporte e telecomunicações) alcançou R$ 17,6 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). Entre 1999 e 2002, período ainda marcado por privatizações na área federal e estadual, o IDE nos mesmos setores havia atingido R$ 65,7 bilhões,

Para o presidente da Abdib, Paulo Godoy, existem tantos entraves técnicos e institucionais que, mesmo se houvesse todos os recursos necessários para investir em grandes projetos, há dificuldades para imprimir a velocidade adequada às obras. "Há uma série de possibilidades de intervenção, veto, paralisação, homologações, acórdãos, medidas cautelares e ações judiciais", enumera Godoy. "Esse périplo - sendo o Estado empreendedor, licitante ou regulador - torna o processo de investimento extremamente demorado", observa.

Uma das áreas que tem sentido mais de perto esse périplo é o setor elétrico. Com um novo marco regulatório em vigência desde 2004, os leilões de geração de energia alcançaram resultados duvidosos. O governo comemora o fato de toda a demanda até 2010 ter sido preenchida pela oferta de energia a venda. Mas 70% da eletricidade vendida no leilão de dezembro do ano passado provém de termelétricas que usam combustíveis fósseis, mais poluentes e mais caros.

O fantasma de um novo apagão na próxima década expõe um conflito cada vez mais aberto entre a área ambiental e o setor elétrico. Enquanto isso, investimentos ficam em compasso de espera. Um exemplo é a usina hidrelétrica de Estreito, maior entre as 45 licitadas entre 1998 e 2002, que até agora não recebeu autorização para o início das obras - avaliadas em R$ 2,4 bilhões. Desde meados do ano passado o consórcio responsável pelo empreendimento, liderado pelo grupo Suez Energy, aguarda a licença de instalação do Ibama.

Por causa da falta de êxito nos contatos antropológicos com a tribo indígena dos Krikati, a Funai não permitiu a emissão da licença até agora. Sem ela, o início da construção foi adiado para 2007 porque o período mais adequado para fazer obras na região (entre Tocantins e o Maranhão) é entre abril e julho. Nem a presença no leilão de outubro, para vender a energia futura - a usina terá capacidade para gerar 1.087 MW - está garantida. Sem saber ao certo quais serão as exigências de compensações ambientais e seus custos, o consórcio prefere esperar. "Falta uma estrutura regulatória que permita aos investidores saber quais são as suas responsabilidades na área ambiental", comenta Gil Maranhão, diretor de desenvolvimento de negócios da Suez Energy Brasil.

O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, rebate as acusações de morosidade do Ibama. Segundo ele, o órgão licenciou a geração de 4,7 mil MW nos últimos três anos e o número de servidores concursados na área de licenciamento do Ibama aumentou de 70 para 300. Langone assegura que apenas 20% dos custos alardeados pelos investidores como compensações ambientais são, efetivamente, despesas relacionadas ao meio ambiente.

Os 80% restantes são gastos para compensações sociais. "Não aceitamos ser os bodes expiatórios", afirma o secretário. Langone, no entanto, reconhece um problema: "O Estado precisa assumir um processo mediador entre empreendedores que querem minimizar os seus custos e movimentos de atingidos que desejam aumentar as benfeitorias".

No setor rodoviário, uma das grandes mudanças no governo Lula foi a duplicação do orçamento do Ministério dos Transportes - de R$ 3 bilhões por ano para o patamar de R$ 6 bilhões no biênio 2005-2006. Boa parte das obras foi entregue ao Batalhão de Engenharia do Exército, que dobrou sua participação - de 3% para mais de 6% - nos investimentos federais em infra-estrutura e tornou-se individualmente uma das três maiores "construtoras" do país.

"O Exército sempre teve papel importante em certas regiões, mas não faz sentido usá-lo para obras correntes, em que há previsibilidade de licitação e a iniciativa privada é competente", afirma Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato da Indústria de Construção Pesada (Sinicon).

O setor ferroviário elevou de 23% para 26%, nos últimos quatro anos, a sua participação na matriz de transportes. Mas isso ocorreu exclusivamente por causa dos pesados investimentos das concessionárias - só em 2006 serão aplicados R$ 2,3 bilhões. Ou seja, o ganho de espaço por aumento da produtividade está no fim e dependerá cada vez mais da expansão da malha, avalia Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).

Ocorre que essa é uma atribuição do governo federal e tem sido feita em ritmo lento. O governo Lula acelerou a construção da Norte-Sul e resolveu a crise financeira da Brasil Ferrovias, que foi reestruturada e posteriormente vendida à ALL. No entanto, demorou mais de dois anos para concluir a formatação da Nova Transnordestina. Também não tirou do papel duas parcerias público-privadas (PPPs) anunciadas no ano passado: o anel ferroviário de São Paulo e a variante Ipiranga-Guarapuava - um trecho de 110 quilômetros entre as duas cidades paranaenses, para facilitar a exportação de soja pelo porto de Paranaguá.

O governo também não focou um dos grandes entraves para aumentar a eficiência do setor: os 824 focos de invasão na faixa de domínio das ferrovias espalhados pelo país e 134 passagens de nível consideradas críticas. Para superar esses obstáculos, Vilaça estima que são necessários R$ 828 milhões - que são de responsabilidade, por contrato, da União. "Se alocadas as verbas, resolveríamos 80% dos gargalos de movimentação das ferrovias em pouco mais de três anos", calcula o diretor da ANTF.