Título: Candidatos usam CPI contra adversários nas eleições municipais
Autor: Junqueira , Caio
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2012, Política, p. A11

A coincidência dos calendários da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira com o das eleições deste ano possibilitou aos candidatos a prefeito encontrar nos correligionários em Brasília uma relevante arma eleitoral: os requerimentos de informações e de convocação para depor.

Ainda que tenham alguma conexão com o objeto da CPI, muitos deles são protocolados tendo por objetivo muito mais a fragilização de um grupo político adversário nas eleições de outubro do que desvendar as ligações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com autoridades e empresas.

Na semana passada por exemplo, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) propôs que o candidato a prefeito de São Paulo pelo PSDB líder nas pesquisas, José Serra, compareça à comissão. "A construtora Delta chegou à Prefeitura de São Paulo quando o Serra era prefeito e depois aprofundou suas contas com o governo do Estado, quando ele era governador", justificou o deputado. Segundo a Polícia Federal, a Delta era um dos braços da organização criminosa.

O petista também defendeu a convocação do ex-diretor de engenharia da estatal paulista Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto. Nas eleições presidenciais de 2010, Souza foi muitas vezes citado pela campanha petista, inclusive pela então candidata Dilma Rousseff, como arrecadador informal de recursos financeiros para o PSDB.

A atual presidente chegou a dizer em um debate que Serra, que negou conhecê-lo, deveria lembrar do "seu assessor que fugiu com R$ 4 milhões, dinheiro da sua campanha". Souza sempre negou ser arrecadador informal de campanhas tucanas, embora já tenha dito ter criado condições para que houvesse aporte de recursos nas campanhas.

Dr. Rosinha (PT-PR) usa esses argumentos para defender as convocações, mas também não nega a relação entre CPI e eleições neste ano. "Não há CPI só com investigação. CPI é investigação e disputa política. Seria bobagem dizer o contrário", afirmou.

Ele também pediu a convocação, na condição de testemunha, do secretário de Educação de Goiás, deputado federal licenciado Thiago Peixoto (PSD), pré-candidato do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), à Prefeitura de Goiânia. Sua candidatura, contudo, se enfraqueceu após ter sido citado em um áudio por Gleyb Ferreira da Cruz, apontado pela Polícia Federal como auxiliar de Cachoeira. Na conversa, Cruz disse que Peixoto repassou modelos de escolas chinesas que o grupo de Cachoeira construiria para posterior aluguel pelo Estado.

Um outro requerimento, desta vez de informações, pede à prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), esclarecimentos sobre a rescisão do contrato entre o município e a construtora Delta referente a obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014. Foi apresentado pelo líder do PDT na Câmara, André Figueiredo (CE).

Presidente do diretório regional do seu partido, ele coordena a campanha a prefeito da capital cearense do deputado estadual Heitor Férrer (PDT), terceiro colocado nas pesquisas com 19% de intenções de voto. O candidato indicado por Luizianne, seu secretário de Educação, Elmano de Freitas, patina em 1%.

Figueiredo, porém, nega interesse eleitoral no pedido. Disse ser "muito suspeito" que a Delta tenha sido a única habilitada na licitação para a ampliação de uma avenida em Fortaleza. Mas que o contrato foi amigavelmente rescindido após as denúncias contra ela. E, como não houve segunda ou terceira colocadas, será preciso uma nova licitação.

"O requerimento é de informação, mas se por acaso ela não responder, como é seu costume, vamos apresentar um de convocação. O que nos move não é questão eleitoral. Trata-se da única obra de mobilidade a ter sua execução retardada", disse Figueiredo.

A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) apresentou requerimentos para convocação do prefeito de Palmas, Raul Filho (PT), e do secretário de Governo de Palmas, Pedro Duailibe. O motivo são as interceptações telefônicas que mostraram que uma ex-assessora da deputada Solange Duailibe (PT), irmã de Pedro Duailibe e esposa de Raul Filho, teria recebido R$ 120 mil da construtora Delta. Além disso, o Tribunal de Contas do Estado apontou irregularidades em contratos da Delta na gestão petista.

Entretanto, o governador de Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), aliado da senadora, também foi citado em áudios da Polícia Federal. Em uma das conversas, Cachoeira diz a seu auxiliar Gleyb ter um encontro marcado com o tucano para tratar de assuntos relacionados à Superintendência da Polícia Federal em Goiânia. Em outra conversa, Cachoeira diz estar ao lado do filho do governador, o ex-senador Eduardo Siqueira Campos, e outras pessoas importantes do Judiciário em um restaurante.

No cenário político eleitoral em Tocantins neste ano, o PSD da senadora é aliado do governador. O presidente estadual do partido, inclusive, é o vice-governador João Oliveira. Juntos, devem apoiar o deputado estadual Marcelo Lélis (PV) na eleição para prefeito de Palmas contra os candidatos do PT e do PMDB.

A atuação de Kátia Abreu chegou a causar uma indisposição com o PMDB por sua ferrenha defesa na convocação dos governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB). Kátia também pediu as convocações dos governadores do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), e de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).

Tratava-se da sessão em que discutia a quebra do sigilo das contas nacionais da Delta, ou apenas as do Centro-Oeste: "Escolheu Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e DF e não quer abrir o Brasil? E do Rio de Janeiro o que vamos dizer? Do Rio de Janeiro será que é preciso mais indícios? O Rio de Janeiro está enterrado até a alma. Em nenhum lugar do Brasil a Delta cresceu tanto quanto cresceu no Rio de Janeiro. Viagens e viagens para o exterior". O contra-ataque veio nos requerimentos do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), convocando Siqueira Campos e seu filho para depor na CPI. Procurada, a assessoria da senadora informou que ela estava em viagem ao exterior.

O requerimento para convocação do governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), é outro em que há suspeita de conotação eleitoral. Foi protocolado pelo deputado federal Filipe Pereira (PSC-RJ) no dia seguinte em que seu partido informou ao PMDB de que apoiaria o PSDB em Campo Grande. A assessoria do deputado não retornou ao pedido de entrevista.