Título: Governo e PT agem para preservar o presidente
Autor: Costa, Raymundo e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2006, Política, p. A8

Numa tentativa de impedir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passe para o centro da crise, governo e PT decidiram afastar os acusados de tentar comprar um suposto dossiê que envolveria os candidatos a presidente, Geraldo Alckmin, e a governador de São Paulo, José Serra, com a máfia das sanguessugas. Com isso, a campanha petista avalia que ganha autoridade para explorar "o mérito" das denúncias que a família Vedoin tentou negociar com o partido, especialmente aquelas que associariam Serra ao esquema da compra de ambulâncias por preços superfaturados.

Por enquanto, só o assessor de mídia e risco da campanha, Jorge Lorenzetti, foi afastado. "Julgo ter extrapolado os limites de minhas atribuições", disse Lorenzetti em carta a Berzoini. "Mas afirmo taxativamente que em momento algum autorizei o emprego de qualquer tipo de negociação financeira na busca de informações relacionadas a adversários políticos". O PT e o governo tentam preservar o assessor especial da Presidência Freud Saboya, sob a alegação de que ele não participou da operação - com isso, pretendem tirar a crise do coração do Palácio do Planalto.

Quem ficou numa situação delicada foi o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Em nota, a revista "época" afirmou que o suposto dossiê teria sido lhe oferecido por Lorenzetti e um ex-secretário do Ministério do Trabalho chamado Osvaldo Bargas. Berzoini teria tomado conhecimento de que a conversa iria ocorrer, mas não saberia do conteúdo. Segundo os interlocutores da revista, o candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, de nada sabia. "Jamais tive ciência do conteúdo abordado nesse encontro, conforme reproduzido fielmente pelo site da revista", disse Berzoini, também em nota.

No Planalto e no PT, no entanto, a avaliação é que a situação do deputado ficou complicada. Na véspera, ele já havia dado uma entrevista negando o envolvimento do PT com a denúncia, além de ter dado a entender que o partido de fato montara uma equipe de "inteligência" para a campanha. A situação de Osvaldo Bargas também é complicada: oriundo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ele foi secretário de Relações do Trabalho desde o início do governo Lula até 15 de fevereiro deste ano, quando passou a ocupar a chefia de gabinete do ministro. Em agosto, saiu para trabalhar na campanha de Lula. O ministro Luiz Marinho é um dos defensores da adoção da "linha dura" no embate eleitoral com a oposição.

A ordem para a limpeza de área foi dada diretamente por Lula, antes do embarque do presidente para Nova York, na manhã de segunda-feira. Um assessor direto do presidente disse que ele estava irritado, afirmava que não precisava de um dossiê a dez dias de uma campanha que lidera e que o PT deveria apresentar rapidamente os responsáveis pelo que que classificou de trabalhada - "uma idiotice, inoportuno, o que só me obriga a ficar dando declarações de que o Serra é boa gente", teria dito Lula, segundo o resumo de mais de uma frase pronunciada pelo presidente feito por um assessor que estava com ele na ocasião.

"Acho esse tipo de coisa abominável. Eu participei de muitas campanhas, já perdi eleições, e estive em situações desfavoráveis, e em nenhum momento eu utilizei qualquer tipo de denúncia contra qualquer candidato. Como presidente da República", disse Lula em Nova York, depois de participar da reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas. "Só cabe fazer uma coisa, investigar a fundo quem estiver envolvido, doa a quem doer. Não posso é permitir que alguém tente fazer qualquer insinuação contra o governo", afirmou.

O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, deu a partida na estratégia de erguer uma muralha de proteção em torno de Lula: "Essa crise não tem nenhuma relação com Brasília, com o presidente da República ou com o Planalto", disse. Sobre o PT, foi bem menos enfático. "Não estou isentando nem defendendo o PT. Mas se há duas pessoas ligadas ao partido envolvidas, o PT tem que dar explicações. O partido precisa aprender essa lição e tratar com mais radicalidade essas questões", disse.

A campanha de Lula viveu um dia de tensão e apreensão. Logo de manhã foi gravado um programa para o horário eleitoral dizendo que Lula, à frente nas pesquisas, não precisava recorrer a esse tipo de expediente na reta final da eleição. No PT, havia a promessa de que Lorenzetti apareceria até o final do dia e explicaria, inclusive, a origem do dinheiro. Não aconteceu nem uma coisa nem outra: Lorenzetti não admitiu que negociara a compra dos supostos documentos. A situação de Berzoini é crítica porque a informação de que ele nada ficara sabendo da operação foi recebida com ceticismo no próprio PT.

Na avaliação da campanha do PT, se houvesse afastado de imediato todos os envolvidos no escândalo do mensalão, em vez de ser desmentido a cada sessão da CPI dos Correios o governo poderia partir para o ataque, aproveitando-se, por exemplo, da lista de Furnas, que implicaria os tucanos com o empresário Marcos Valério. A idéia agora é punir os petistas que teriam "extrapolado" de suas funções, para "entrar no mérito" do suposto dossiê e atacar especialmente José Serra, favorito na disputa ao governo de São Paulo.

Genro criticou os presidentes do PSDB, Tasso Jereissati e do PFL, Jorge Bornhausen (SC), que ameaçam pedir a impugnação de Lula. "Isso é uma tentativa golpista de quem está perdendo a eleição. É uma postura de dois desterrados: um, Bornhausen, que não teve coragem de se candidatar ao Senado. O outro, Tasso, não tem controle político no Estado e não tem controle sobre o próprio partido". (Com agências noticiosas)