Título: Câmara tem a eleição mais disputada
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2006, Especial, p. A14

A despeito de os escândalos que atingiram a Câmara terem manchado a imagem pública da instituição, a busca dos partidos para superar as exigências da cláusula de barreira fez com que neste ano o país assista ao maior número de candidatos a deputado da história. São 5.415 postulantes, número 10,5% superior aos 4.901 de 2002. Desde a redemocratização, é a eleição com mais candidatos.

A insígnia de pior legislatura da história também não foi obstáculo para afastar os atuais deputados da Casa. Houve um aumento do número de candidatos à reeleição em relação à 2002. Enquanto nas últimas eleições 417 optaram por tentar permanecer nos cargos, neste ano o número é de 436, com previsão de renovação em torno de 50%, insuficiente para bater o recorde histórico das eleições de 1990, quando a renovação foi de 62%. Nas três eleições seguintes, esse índice foi de 53%, 43% e 46%.

Estendendo-se a contabilidade aos políticos em geral, vê-se que houve um aumento do interesse de detentores de cargos eletivos em obter uma vaga na Câmara. Neste ano, 7,4% de todos os candidatos se auto-declararam em exercício desses cargos, índice superior a 2002 (5%) e a 1998 (7,1%). Ocorre que, justamente por ter caráter auto-declaratório, nem todos os políticos se inscrevem como tal, tendo preferência por registrar suas profissões extra-política. É o caso do deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar da Saúde. Apesar de desde 1999 se dedicar ao trabalho legislativo, registra-se no TSE como médico. "Exerci a medicina por 20 anos. Sou professor de medicina. A política veio depois", afirma.

De qualquer maneira, o que se configura nas proporcionais deste ano é, contrariamente às majoritárias, onde na maior parte dos Estados a eleição deve ser definida em primeiro turno, a mais acirrada disputa pelo voto do eleitor. Na frente deste embate, saem os atuais deputados-candidatos, beneficiados por situações por eles mesmos originadas. Uma delas é a mini-reforma eleitoral. Com a proibição de camisetas, bonés e outdoors, entre outros tradicionais materiais de campanha, ficou mais difícil de neófitos se tornarem conhecidos e terem seus números eleitorais fixados pelo eleitorado, favorecendo, assim, quem já divulga seu nome e atos há quatro anos ou mais.

Esse trabalho de divulgação durante o mandato também foi beneficiado na atual legislatura pelo aumento da estrutura e dos recursos dos deputados. Isso se deu pelo incremento de dois benefícios: as verbas indenizatórias e as verbas de gabinete. Instituída pelo então presidente da Câmara Aécio Neves em abril de 2001, a indenizatória foi criada para o ressarcimento de despesas referentes a aluguel de escritórios políticos, combustível, consultorias, pesquisas, entre outras despesas. À princípio, era de R$ 7 mil. A maré vermelha de 2002 acabou por colocar o petista João Paulo Cunha na presidência da Câmara no ano seguinte e, logo no primeiro mês de mandato, o valor subiu para R$ 12 mil. No apagar das luzes de 2004, João Paulo, no fim do mandato, elevou-a novamente para R$ 15 mil, montante em que permanece até hoje.

A verba de gabinete, por sua vez, já é velha conhecida do parlamento. Tem por escopo pagar as pessoas que trabalham com o deputado. Ocorre que, quando a atual legislatura assumiu, essa verba beirava os R$ 20 mil, permitindo a contratação de 18 pessoas. Já em 2003 o valor saltou para R$ 35 mil, com a possibilidade de 20 pessoas serem contratadas. Em 2005, nova alteração no valor: passou para R$ 50 mil. E, em 2006, nova medida: foi autorizada a contratação de 25 pessoas. "Quem está no exercício do cargo tem vantagens sobre quem não está. Tem gabinete, estrutura, acesso à mídia, despesas pagas. Chega a eleição e eles já estão há quatro anos trabalhando. As verbas que recebem os ajudam na estrutura de campanha", afirma Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

O Valor acompanhou a campanha de dois candidatos à reeleição que têm seu eleitorado estruturado no voto de opinião, e cujas campanhas foram as mais afetadas pela legislação eleitoral.