Título: Exatas ficam com apenas 18% das bolsas
Autor: Máximo , Luciano
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2012, Especial, p. A16

Em 2005, quando o Programa Universidade para Todos (Prouni) foi criado, na gestão do ministro da Educação Tarso Genro, o principal objetivo era facilitar uma inclusão massiva de jovens de baixa renda no ensino superior. Em sete anos foram concedidas mais de 1 milhão de bolsas em faculdades particulares. Essa ideia ainda é o norte, mas o governo quer renovar a política, tornar o acesso mais criterioso, com alguma prioridade a cursos estratégicos para o desenvolvimento econômico do país.

Embora se trate de uma política pública elogiada internacionalmente e consolidada na agenda do governo federal, o Prouni dá a impressão de estar deslocado das reais necessidades brasileiras de mão de obra. Insiste em se manter atrelado a cursos campeões de audiência, como administração, direito e pedagogia, enquanto o Brasil importa profissionais de engenharia, tecnologia, infraestrutura.

As bolsas na área de exatas e tecnologia, prioridade do governo no programa de intercâmbio Ciência sem Fronteiras, representam apenas 18% do total das 510 mil bolsas em uso hoje pelo Prouni. A área de humanas responde por 65% delas. De acordo com levantamento feito pelo MEC a pedido do Valor|, são 85 mil bolsas para estudantes de administração e menos de 50 para alunos de engenharia de telecomunicações. O exemplo é extremo, uma vez que, pelas regras atuais do Prouni, as bolsas são distribuídas automaticamente, de acordo com a demanda de cada curso, mas a distorção é uma questão que preocupa especialistas e formuladores de políticas educacionais.

O secretário de Regulação do Ensino Superior do MEC, Jorge Messias, reconhece a deficiência e explica que o Prouni acaba refletindo distorção do sistema universitário brasileiro. "Mais de 40% das matrículas se concentram nas ciências humanas. Dentro do Prouni temos estabelecido que as instituições devem oferecer vagas em todos os cursos, não há direcionamento de nossa parte para nenhum curso", argumenta.

Diante desse quadro, Messias revela que o Prouni também deverá sofrer alterações quanto ao direcionamento das bolsas. Mudanças, diz, serão feitas no longo prazo, dentro de uma política regulatória que dê prioridade à qualidade dos programas acadêmicos. "O MEC tem estimulado a expansão sustentada de cursos. Recentemente foi a área de medicina. Vamos divulgar em julho programa específico para as engenharias. É preciso uma distribuição de vagas mais focada no desenvolvimento e nas políticas públicas que indiquem necessidade", diz Messias.

Em relação à necessidade de atender ao setor público, o objetivo inicial é oferecer mais bolsas para a formação de um maior número de profissionais para melhorar a cobertura de saúde no país. Medicina e enfermagem terão prioridade. O primeiro representa apenas 0,95% do total de bolsas ativas do Prouni, com 4.783 alunos "prounistas".

Em 2008, o mineiro de Três Pontas Tales Francisco Gonçalves, de 27 anos, brigou por uma das sete vagas do Prouni no curso de medicina da Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Antes de ser aprovado, passou pelo menos três anos estudando para tirar uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como precisava ajudar em casa, conciliou os estudos com o trabalho. Até se mudar para o Rio, a jornada foi longa. Foi servente de pedreiro, lavrador de café, carteiro e funcionário da fábrica de brinquedos Estrela.

Só pensou mesmo em tentar a universidade quando soube do programa de bolsas do governo federal. "Desde criança gosto de ler. Meu pai, que é pedreiro, terminou a oitava série, minha mãe, que é merendeira, só foi terminar o ginásio depois de velha. No interior não temos muita informação, entrar na faculdade é um sonho distante. Comecei a me informar sobre vestibular quando comprei um computador", lembra Tales, que está no quarto ano de medicina e se orgulha em vestir o jaleco de doutor para as aulas práticas.

Tales mora em uma pensão na região central do Rio, que paga com a ajuda dos pais e um auxílio da universidade de R$ 300. Atualmente, ele só estuda e não vê a hora de voltar a trabalhar. Já está decidido a retornar a Três Pontas e exercer a medicina por lá. "No meio do ano começo a estagiar e a residência é no ano que vem. O ritmo de estudo é muito puxado, não dá para trabalhar nem aproveitar muito as coisas no Rio. Não posso comprometer as notas. Se for reprovado em mais de duas matérias, perco a bolsa." (LM)