Título: Mercado testa BC e real cai 12%
Autor: Castro , José de
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2012, Finanças, p. C1

A sequência de alta do preço do dólar, que subiu em seis dos últimos sete dias, bem como o comportamento da moeda no mês, trimestre e ano, deixam claro que o cenário externo não tem sido o único fator determinante para a formação do preço da taxa de câmbio.

O real caminha para fechar o segundo trimestre do ano com queda de 12%. Outros pares comparáveis, como o peso mexicano e o dólar australiano também perdem para a moeda americana no período, mas as variações são bem mais modestas (ver gráfico). Já o Dollar Index, que mede o desempenho do dólar ante uma cesta de moedas, aponta uma alta de 3,17%.

Profissionais de câmbio têm relatado nos últimos dias uma pressão extra de valorização da divisa americana, conforme os agentes "testam" a disposição do governo em agir para reequilibrar o mercado de câmbio.

Na avaliação do ex-diretor do BC e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Calor Thadeu de Freitas, o mercado está elevando a pressão sobre o dólar para que o governo retire o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o aumento da posição líquida vendida em derivativos de dólar, medida adotada há quase um ano para tentar conter a forte apreciação do real naquele momento.

"Para o mercado de câmbio voltar ao equilíbrio, o governo teria que desarmar o IOF sobre posições vendidas em câmbio. Quando o governo adotou essa medida no ano passado, o contexto era de queda do dólar. Agora é de aversão a risco", disse, referindo-se ao agravamento da crise europeia e a sinais de que as duas maiores economias do mundo - Estados Unidos e China - estão desacelerando mais que o esperado.

O IOF sobre derivativos cambiais foi adotado em julho do ano passado, quando o dólar era cotado nas mínimas desde 1999 - em torno de R$ 1,50 - e o país recebia expressivos volumes de recursos.

Na época, o governo justificou que a medida visava conter especulações no mercado de câmbio e evitar uma queda excessiva do dólar, com prejuízos ao setor exportador.

"Essa taxação provocou uma assimetria no mercado. Com ela, fica muito mais fácil comprar dólar do que vender", afirmou Freitas. Ele pondera, contudo, que a retirada do IOF seria apenas a primeira medida para tirar pressão da moeda americana, já que parte da valorização do dólar também vem da aversão a risco no exterior. "Não é que tirando o IOF o dólar vai desabar, mas pode, pelo menos, parar de subir."

O superintendente da CGD Securities, Sergio Campanille, aponta que a demanda do mercado no momento é por mais swaps cambiais. "O mercado quer saber qual o ponto que o BC considera crítico para ofertar "hedge" e vai puxando o dólar para cima até lá".

O profissional lembra que o mercado absorveu todos os 60 mil contratos de swap cambial (cerca de US$ 3 bilhões) em leilão na quinta-feira, num sinal "claro" de demanda por proteção.

Considerando ofertas líquidas, o volume absorvido é o maior desde que o BC voltou a fazer esse tipo de operação, em 18 de maio. Desde essa data, a autoridade monetária já vendeu US$ 13,831 bilhões em swaps.

Campanille acredita que o BC manterá a estratégia atual e agirá apenas no mercado futuro. "Apenas no caso de haver um movimento muito forte no dólar é que acho que o BC passaria a ofertar moeda à vista", disse. O BC vendeu dólares à vista pela última vez em fevereiro de 2009, auge da crise internacional.

O superintendente acrescentou que a retirada do IOF sobre posições vendidas aconteceria apenas no caso de um "evento extremo", como uma ruptura da zona do euro. "Não vejo isso no curto prazo. A retirada do IOF aconteceria apenas em último caso."

O economista-chefe da gestora Quantitas, Gustav Gorski, opera um modelo que tenta apontar o "valor justo" para o dólar. Pelas variáveis consideradas, como o CDS (seguro contra calote) de cinco anos do Brasil, commodities e o DXY, o dólar estaria mais para R$ 1,90 do que para R$ 2,10.

O dólar observado começou a se descolar da sugestão do modelo em meados de fevereiro, e essa disparidade se acentuou em abril.

Depois disso, as linhas tanto do dólar quanto do modelo andaram na mesma direção, mas mantendo um hiato muito grande entre preço observado e preço sugerido.

Essa discrepância se ampliou ainda mais no começo de junho, conforme o dólar tomou fôlego, enquanto a indicação do modelo era de cotação para baixo.

Para Gorski, esse descolamento do câmbio local, mostrado não apenas por esse modelo, mas por qualquer comparação do real com outras moedas, reflete as atuações do governo.

Fora isso, lembra o economista, o governo se orgulha de ter mudado o dólar de patamar. "A reversão de expectativas de crescimento também pesa. A visão é diferente sobre a economia do Brasil", diz.

Para Gorski, o potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) começa a ser revisto para baixo. De algo acima de 4% para números pouco acima dos 3%.

Isso reflete, em parte, o esgotamento do modelo de crescimento baseado na expansão do crédito, diz. E o economista não vê modificação disso no curto prazo, conforme o governo segue editando medidas para alguns setores eleitos e não olha a economia como um todo.