Título: Dólar cai no Brasil. De novo
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 09/10/2010, Economia, p. 22

Moeda tem cotação mais baixa desde setembro de 2008. Mantega e Meirelles participam de reunião de líderes para tentar acordo global

Enquanto os ministros de Finanças dos 20 países mais ricos do mundo tentam uma solução para lidar com a fraqueza do dólar, no Brasil a moeda norte-americana derreteu ontem e caiu ao nível mais baixo desde 2 de setembro de 2008, quando valia R$ 1,665. Nem mesmo o leque de medidas anunciadas pelo governo brasileiro nos últimos 15 dias foi capaz de segurar a divisa, que encerrou o dia cotada a R$ 1,667, com uma queda de 1,12%. Na véspera, a moeda terminou o pregão negociada a R$ 1,686.

O euro, que também vinha se valorizando em relação ao dólar, desacelerou a alta e ficou praticamente estável, depois que o líder dos ministros de Finanças da Zona do Euro, Jean-Claude Juncker, afirmou que a moeda acima de US$ 1,40 está muito forte. Juncker participa em Washington da reunião de autoridades financeiras do G-20 para discutir formas de aliviar as tensões cambiais. Ele disse que o mal-estar pode comprometer a recuperação econômica global.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao chegar para a reunião de ministros, disse estar confiante de que o G-20 possa chegar a um acordo sobre moedas. ¿Estou otimista porque acho que podemos solucionar esse problema se tiver uma ação coletiva¿, afirmou. ¿Acho que podemos chegar a um acordo sobre como administrar a apreciação das moedas nos encontros do G-20.¿

Mantega vem criticando a postura de países que buscam mais competitividade comercial mantendo suas moedas desvalorizadas e afirmou recentemente que o mundo vive uma ¿guerra cambial¿.

Já o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que os desequilíbrios no mercado mundial de câmbio são ¿sérios¿. ¿O dólar vem se enfraquecendo devido a medidas adotadas para enfrentar a crise. O euro não está se enfraquecendo tanto devido a seus próprios problemas. Você tem a China fazendo a moeda se depreciar com o dólar¿, apontou Meirelles. ¿Isso está causando desequilíbrios ao redor do mundo e muitos países estão tomando medidas (para se proteger). Este é um problema sério. Precisa ser enfrentado.¿

Sobre um eventual acordo cambial global, o presidente do BC disse que ¿poderia ser desejável¿, mas não sabe se seria provável. ¿O acordo por definição tem que ser o acordo de Estados soberanos. Certamente não é uma instituição global que vai impor¿, acrescentou.

¿Passaria certamente por promoção de um maior consumo doméstico por parte dos países que estão mostrando excesso de poupança e baixo consumo doméstico e um equilíbrio de maior poupança por aqueles que estão mostrando excesso de consumo¿, avaliou. ¿Eu não acho tão provável a curto prazo, acho desejável. Acho que deve-se procurar caminhar nessa direção.¿

Contágio A subsecretária do Tesouro norte-americano para Assuntos Internacionais, Lael Brainard, avaliou que o Brasil pode registrar um aumento do fluxo de capital se controles de câmbio forem adotados em outros países.

¿Recentemente as autoridades financeiras do Brasil destacaram as dificuldades de alguns países para manter taxas de câmbio flexíveis enquanto outras economias emergentes adotam políticas para evitar a apreciação... Gerenciar os fluxos de capital em tais circunstâncias não é tarefa fácil¿, afirmou.

¿Exige políticas sólidas e a administração macroeconômica que o Brasil tem exibido. Mas exige ações complementares de outros mercados emergentes para garantir o crescimento forte, sustentável e equilibrado que todos nós buscamos.¿

Segundo ela, é por isso que Brasil e Estados Unidos estão trabalhando juntos, e com os parceiros do G-20, para enfrentar essas questões. ¿O Brasil está mostrando liderança e um exemplo para os outros ao fazer sua parte em impulsionar um crescimento global equilibrado. A expansão do Brasil é bem sustentada, com forte demanda doméstica assim como integração crescente com o comércio e as finanças globais.¿

FMI ELOGIA A AMÉRICA LATINA A América Latina fez seu dever de casa e permitiu a valorização suficiente de suas moedas para contribuir com o equilíbrio do crescimento mundial, declarou ontem o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a América Latina, Nicolás Eyzaguirre. Utilizar outras medidas para segurar a excessiva valorização das moedas deve ser apenas uma decisão extraordinária, disse ele sobre o controle de fluxos externos adotado por países como o Brasil. ¿A América Latina fez seu trabalho em termos de ajuda para restabelecer o equilíbrio da economia internacional. México e Brasil permitiram um grau significativo de valorização (de suas respectivas moedas). Isso lhes interessa, mas também é completamente coerente com a cooperação mundial¿.

Estou otimista porque acho que podemos solucionar esse problema se tiver uma ação coletiva¿

Guido Mantega, ministro da Fazenda

Mundo discute um acordo

Washington ¿ O G-20, que agrupa países avançados e em desenvolvimento, abriu ontem o debate sobre a ¿guerra cambial¿ provocada pelos desequilíbrios do crescimento mundial, um dos temas que monopolizam as atenções na reunião semestral do FMI.

A diferença substancial de crescimento entre Estados Unidos, União Europeia e Japão de um lado, e Ásia e América Latina do outro, está provocando uma avalanche de investimentos financeiros nos países emergentes.

Suas moedas estão apreciando de forma galopante, exceto nos casos de China e Coreia do Sul, onde os governos mantêm um férreo controle do câmbio. Países como o Brasil, cuja moeda apreciou-se mais de 35% desde 2009 em relação ao dólar, estão sendo penalizados por essa situação.

Os países do G-20 iniciaram o debate a portas fechadas dentro da assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), aberta em Washington.

Há poucas esperanças de um acordo, segundo reconheceram ministros e responsáveis do fundo, pela complexidade do debate, mas o diretor-gerente do fundo, Dominique Strauss-Kahn, pediu que não se perca a coordenação internacional empreendida depois da crise financeira.

Os ministros de Finanças do G-20 procuraram enfatizar a necessidade de países como China pensarem menos em exportar e mais em estimular seu mercado interno, além de acelerar a reavaliação do iuan, entre outras medidas, para que as nações endividadas, como os EUA, possam poupar sem risco de prejudicar a recuperação mundial.

Afrouxamento O padrão irregular do crescimento global levou a um afrouxamento monetário significativo nos EUA(1), que colocou o dólar nos menores níveis em oito meses e meio. ¿Os Estados Unidos acreditam que o reequilíbrio global não estava avançando o suficiente para impedir as ameaças da recuperação da economia global¿, disse o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ao discursar na assembleia do fundo.

O titular do Banco Central da China, Zhou Xiagochuan, rejeitou o pedido de uma rápida apreciação do iuan, o qual, segundo ele, se moverá gradualmente para um nível de ¿equilíbrio¿.

Mas as acusações também se cruzam entre Estados Unidos e UE, com um euro que está de novo subindo em relação ao dólar, e entre os próprios países emergentes, como Brasil em relação à China, e outros em relação à Coreia do Sul.

¿É um tema que não vai ser resolvido em cinco minutos, é um problema de longo prazo¿, advertiu na quinta-feira Strauss-Kahn, que assegurou que faria suas próprias propostas aos países-membros.

A América Latina poderá crescer 5,7% em 2010, quase um ponto percentual a mais em relação às previsões anteriores do Fundo. Bem acima dos 2,6% previstos para os Estados Unidos e 1,7% para a Zona do Euro.

Isso provoca um grande deslocamento de investimento para países como o Brasil, que também demonstrou uma gestão macroeconômica considerada ¿exemplar¿ pelo fundo. A América Latina poderá quase quadruplicar a recepção de fluxos de investidores estrangeiros este ano, para US$ 91 bilhões em relação ao ano anterior (US$ 25 bilhões).

¿Se deixarmos que a situação rume para um conflito ou formas de protecionismo, corremos o risco de repetir os erros dos anos 1930¿, depois da última grande crise financeira, advertiu o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick.

1 - Decisão difícil As autoridades do Federal Reserve enfrentam uma decisão difícil na reunião de política monetária do próximo mês com a lentidão da economia, disse o presidente do Fed de St. Louis, James Bullard. Ele lembrou que a inflação está abaixo da meta do Fed e que pode precisar de mais medidas para subir a níveis mais aceitáveis. ¿Essa próxima reunião do Fomc (Comitê Federal de Mercado Aberto, na sigla em inglês) será difícil, porque a economia desacelerou, mas não desacelerou tanto que é uma justificativa óbvia para fazer algo¿, disse Bullard.

Abaixo a guerra cambial

Washington ¿ Os países com as principais moedas do mundo precisam assegurar que não haja uma ¿guerra cambial¿, porque nesse tipo de conflito não teria vencedores, disse o representante dos ministros de Finanças da Zona do Euro, Jean-Claude Juncker, ontem.

¿(Os países com) as principais moedas precisam assegurar que não haja espaço para uma guerra cambial¿, afirmou ele em entrevista à Reuters.

¿Teria apenas perdedores. Eu não posso ver nenhum tipo de vencedor de uma guerra cambial¿, acrescentou ele antes da reunião do G-7 que deve tratar de câmbio.

Juncker disse ainda que o G-7 está perdendo importância para o G-20 como fórum de discussão cambial, mas ressaltou que ¿na pauta do G-20 há muita gente e muitos interesses para se ser capaz de encontrar um acordo cambial¿.

Ele também disse não ser possível ter uma discussão significativa sobre economia e câmbio sem a China, que caminha para ser a segunda maior economia do mundo atrás apenas dos Estados Unidos. ¿O fórum ideal seria o G-7 mais a China.¿

Diferença Juncker, que é o primeiro-ministro de Luxemburgo e presidente das reuniões mensais dos ministros de Finanças da Zona do Euro, afirmou não ver necessidade de um novo acordo cambial global.

¿Eu não acho que precise. Estamos em uma situação totalmente diferente da que estávamos na época do Acordo de Plaza¿, disse ele, referindo ao pacto de 1985 entre os governos de França, Alemanha Ocidental, Japão, EUA e Grã-Bretanha para depreciar o dólar norte-americano em relação ao iene e ao então marco alemão, por meio de intervenção nos mercados.

Juncker reiterou que o iuan está significativamente desvalorizado e que o dólar não está refletindo os fundamentos da economia dos Estados Unidos.