Título: BNDES quer abrir novas fronteiras industriais
Autor: Santos, Chico e Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Brasil, p. A3

A atual diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acredita que a atuação tradicional da instituição - ancorada em políticas horizontais, atendendo a setores específicos - já não é suficiente. A intenção agora é abrir novas fronteiras para o desenvolvimento industrial do país, superando a fase do apoio horizontal para chegar à criação de sistemas produtivos nos quais o Brasil possa liderar em inovação e progresso tecnológico.

"Fronteiras de expansão são grandes espaços do aparelho industrial - ou do industrial combinado com o agro e com a mineração - onde podem ser embarcadas numerosas atividades", define o economista Antonio Barros de Castro, diretor de Planejamento do banco. O etanol é um caso concreto: "Biomassa para energia é capaz de acolher, além de muita mecânica, uma nova química e muitas outras atividades, incluindo logística, informática, automação e assim por diante, de tal maneira que é possível divisar na fronteira de expansão da biomassa e, mais concretamente, na do etanol, uma frente de inovação onde podem ser conjugados vários segmentos", explica.

A ampliação do foco de atuação de uma simples abordagem horizontal para uma visão mais verticalizada e abrangente está diretamente relacionada à necessidade de o país encontrar alternativas para transitar rumo ao mundo industrializado sem ser atropelado pela avalanche chinesa, acrescenta Barros de Castro. O Brasil deixou passar a oportunidade, no fim dos anos 70, de tornar-se um "new industrialized country" (novo país industrializado, ou NIC na linguagem do mundo econômico). Agora, esse lugar foi ocupado pela China, argumenta Barros de Castro.

Barros de Castro esclarece que a busca de sistemas verticalizados não significa o abandono das políticas horizontais, mas ele está convicto de que a emergência da China eliminou a possibilidade de o Brasil retomar seu crescimento como um país de "custo baixo, boa capacidade fabril e alguma capacidade de inovar", ou seja, de ser um NIC.

Segundo a análise do diretor do BNDES, a partir de 2000 para 2001, o Brasil "começava seriamente a poder pensar em crescer, dado o quadro macro e microeconômico". O problema é que se pensava que o país iria competir, no plano industrial, com Estados Unidos, Europa e Japão, os centros hegemônicos da indústria mundial. Então, a idéia era retomar a condição de NIC, na qual o país ensaiou entrar nos anos 70.

"O problema é que entrou em cena a China. Ela rouba essa possibilidade (de o Brasil ser um NIC). Você pode se proteger por meio de mil paliativos, socorros localizados, defesas, transitórias ou não. Mas o Brasil não poderá ser um NIC, porque NIC já é a China." Para Castro, a emergência da China e também da Índia, é um problema para o Brasil e os demais países e irá dominar os próximos 10 a 20 anos da história.

"Diante disso, o taxímetro é zerado e você precisa de novo se perguntar o que fazer", teoriza. Na avaliação do diretor do BNDES, "ter apenas políticas horizontais frente à China é não levar a sério a realidade". Segundo ele, não é só o Brasil que está buscando um novo rumo. Taiwan, Tailândia, Espanha, Itália e outros países estão buscando alternativas para sobreviver ao avanço chinês.

"Há duas maneiras de fugir da China: uma delas, típica dos países desenvolvidos, é ir para lá do ponto de vista fabril. A outra, típica da América Latina, é especializar-se nos recursos naturais disponíveis e complementar", explica Castro, dando o mote para a política industrial de abertura de fronteiras.

O BNDES já começou esse trabalho. Partindo da área de Planejamento, todo o banco, da direção aos setores administrativos, está empenhado em viabilizar os novos sistemas a desenvolver. A política para o etanol já está em vias de aprovação, precisando apenas de alguns retoques.

Barros de Castro ressalta que os problemas a superar não são triviais, mas destaca também que há exemplos internacionais de sucesso, como a economia da madeira, na Finlândia, a do leite, na Dinamarca, e a do vizinho Chile, com o salmão e o cobre.

"Ambas as atividades são esteios da exitosa economia chilena contemporânea. Agora, a economia do etanol, seja comparada com elas, seja com o petróleo da Venezuela e da Nigéria, é um guarda-chuva gigantesco que pode se abrir por uma quantidade considerável de atividades e de regiões", diz Barros de Castro. O estrategista do BNDES entende que com o etanol o Brasil poderá fazer a um só tempo política industrial, política de desenvolvimento regional e política social.

Outros complexos, além do etanol, estão sendo estudados, o principal deles com o nome ainda provisório de "economia da mobilidade", que tem a ver com a interiorização da economia brasileira, exigindo a criação de grandes eixos de logística para o transporte de grandes volumes a longas distâncias, como fizeram Estados Unidos e Rússia.

Esse complexo teria uma enorme amplitude, começando com a produção de petróleo, especialmente em águas profundas, onde o Brasil tem posição de liderança, passando pela produção de materiais de transporte e pela construção de uma infra-estrutura de transporte eficiente. Tem a ver, como ressalta Barros de Castro, "com a própria indústria automobilística". Barros de Castro ressalta também que a indústria de bens de capital representará por si só um complexo produtivo, fabricando máquinas e equipamentos para os demais e para si própria.