Título: Disputa poderá encerrar ciclo dos caciques do Amazonas
Autor: Moreira, Ivana
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Política, p. A6

Gilberto Mestrinho (PMDB) e Amazonino Mendes (PFL) se revezaram no Palácio do Governo do Amazonas por duas décadas, entre 1982 e 2002, tidos como imbatíveis no maior Estado brasileiro. A possível derrota de ambos nesta eleição - caso se confirmem as pesquisas de intenção de voto realizadas pelo Ibope - já é apontada em Manaus como encerramento de um ciclo de poder e prenúncio de tempos de renovação para a política do Estado.

Amazonino Mendes, que aos 66 anos tenta o quarto mandato de governador, poderá perder já no primeiro turno para o atual governador Eduardo Braga (PMDB). Segundo pesquisa divulgada na sexta feira, o pefelista tem 34% das intenções, 18 pontos percentuais menos que Braga, que tem 52%. Entre 30 de agosto e 15 de setembro, Braga subiu 5 pontos percentuais. No mesmo período, Amazonino caiu dois.

O senador Gilberto Mestrinho - que já foi governador por três mandatos, o primeiro deles antes do golpe militar, em 1959, aos 30 anos - poderá ser derrotado por Alfredo Nascimento (PL) na disputa por mais um mandato no Senado. Aos 78 anos, Mestrinho tem, segundo o Ibope, 14% das intenções, menos da metade dos 35% do adversário liberal. Entre 30 de agosto e 15 setembro, Nascimento subiu 9 pontos percentuais. Mestrinho caiu um.

"Eles serão sepultados politicamente, vão continuar competitivos por mais dez anos pelo menos, mas sem ameaçar", vaticina o deputado estadual Eron Bezerra (PCdoB), um dos líderes da resistência aos dois caciques da política amazonense. "Como cachorro que late, late mas não morde", completa.

Ruy Baron/Valor -9/3/2006 Mestrinho: três vezes governador, deve ceder a Alfredo Nascimento, do PL, a vaga de senador pelo Estado A explicação mais provável para a manutenção dos mesmos políticos por tanto tempo no Palácio do Governo - a despeito dos escândalos que os envolveram - está nas contas do Estado. É o que apontam especialistas em administração pública. O Amazonas é um Estado com alta arrecadação, o que garante aos mandatários dinheiro em caixa para executar obras e financiar programas sociais. Modelos de transferência de renda - na linha do Bolsa Família que rende votos nesta campanha para o governo Lula - são realidade no Estado há mais de uma década. Só o ICMS rende ao Amazonas uma receita per capita anual de cerca de R$ 1,5 mil. Cinco vezes mais que Estados vizinhos, como o Pará.

A situação confortável das contas estaduais tem permitido aos governantes contratar crédito financeiro para execução de seus grandes projetos. O endividamento atual do Amazonas, da ordem de R$ 3 bilhões, está abaixo do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Pela legislação, o teto é o dobro da receita corrente líquida. O que, no caso amazonense, corresponde a uma capacidade de endividamento de até R$ 13 bilhões. Com dinheiro em caixa, não faltam obras, especialmente viárias, pare encher os olhos dos eleitores.

"Essa maravilha que é a Ponta Negra é obra do Amazonino, ele rouba mas faz", diz o taxista Júlio Silva, informando para quem vai seu voto. O taxista fala da praia de rio da capital, a 13 quilômetros do centro, onde estão instalados o mais sofisticado complexo turístico e a nata da sociedade, em prédios de luxo. Nem a construção de uma mansão cinematográfica durante o seu último mandato como governador (1998-2002) nem as investigações abertas pelo Ministério Público Federal, para apurar enriquecimento ilícito, foram suficientes para colocar Silva em dúvida.

O povo mira as obras realizadas e não vê razão para mudar, avaliam os políticos adversários. "É um caldo de cultura próprio para a manutenção das pessoas no cargo", diz Bezerra.

Na percepção do deputado, compartilhada por nomes de outros partidos, o que exauriu politicamente Amazonino e Mestrinho - que enfrentam dificuldade para crescer principalmente nas faixas mais jovens e com maior escolaridade da população - foi a marca truculenta de suas gestões e campanhas. Amazonino Mendes, em especial, é acusado pelos adversários de todo tipo de "baixaria" imaginável numa disputa eleitoral, incluindo falsas denúncias focadas na vida pessoal.

"É o resultado da democracia continuada, que permite ao eleitor fazer exercícios próprios de reflexão, de acordo com o seu nível de consciência", afirma Bezerra. Prefeito de Manaus, Serafim Corrêa (PSB) concorda com a avaliação. Em 2004, quando disputou o segundo turno contra Amazonino, diz que foi ele próprio vítima da estratégia comum em disputas eleitoras no Estado. "Me arrumaram uma amante e um filho", lembra. Corrêa conseguiu virar a disputa e venceu no segundo turno, mas ainda se emociona quando lembra com dor de todo o desgaste pessoal e familiar do "episódio Soraia".

A primeira derrota de Amazonino, na disputa pela prefeitura, foi - segundo a interpretação corrente no Estado - o primeiro grande sinal de que um ciclo estava por se encerrar na política local. Mesmo assim, adversários do político esperavam por uma disputa difícil em 2006, com artilharia pesada. O cenário traçado pelas pesquisas do Ibope é melhor do que muitos da ala de resistência poderiam esperar.

Preparando o terreno para sua campanha, Amazonino patrocinou - embora negue - a criação de um novo diário com sede em Manaus, o "Correio Amazonense", que começou a circular no ano passado. Não falta espaço no jornal para denúncias contra a gestão do governador Eduardo Braga. A ferramenta, porém, ainda não conseguiu contribuir para a melhora do pefelista nas pesquisas. Esta é a primeira vez que o ex-governador enfrenta uma disputa sem ter de fato o suporte da máquina do Estado. Em 2004, para a prefeitura, contava com o apoio do governador e do prefeito.

Braga está longe de ser considerado um nome de renovação no Amazonas. Foi eleito em 2002 com o apoio do próprio Amazonino, que deixava o governo depois de oito anos seguidos no poder. Nos bastidores da política estadual, há uma piada freqüente sobre a relação do governador com seus antecessores: Mestrinho é o avô, Amazonino é o pai e Braga, o filho.

A avaliação, porém, é de que o atual governador simboliza uma ruptura porque conseguiu imprimir estilo diferente à sua gestão, enterrando métodos do passado. O pemedebista fez uma gestão identificada com o diálogo e estabeleceu vínculos com diferentes extratos sociais. Hoje, na campanha de reeleição, conta com apoio tão distintos quanto o movimento sindical e a elite comercial do Amazonas.

Também contribuiu para o êxito do governador as boas relações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem 76% das intenções de voto no Estado. "O Lula é um mito no Amazonas", diz Serafim Corrêa.

Esta identificação do povo amazonense com o presidente petista talvez ajude a explicar a inexpressiva performance de outra estrela política do Estado, o senador Arthur Virgílio (PSDB). Terceiro colocado nas pesquisas, o tucano tem 4% de acordo com o Ibope. Dos três principais candidatos ao governador estadual, Virgílio é quem tem a mais alta rejeição. Segundo o instituto, 42% dos amazonenses não votariam nele de forma alguma. A rejeição de Amazonino é de 25%. A de Braga, 12%.

Na análise qualitativa dos pesquisadores, Arthur Virgílio - com seu estilo arrojado, polêmico - é considerado um bom nome para representar o Estado no Legislativo. Para cargos executivos, porém, falta equilíbrio ao ex-prefeito de Manaus. Virgílio ainda não conseguiu convencer os conterrâneos de que "tem pulso para resolver as questões", como declara no horário eleitoral.