Título: Sob suspeita, Berzoini deixa o comando da campanha
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Política, p. A11

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem afastar o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), do comando de sua campanha à reeleição. Suspeito de envolvimento no episódio da compra de um dossiê para prejudicar candidatos do PSDB ao governo de São Paulo e à Presidência da República, Berzoini será substituído pelo assessor internacional da presidência e vice-presidente do PT, Marco Aurélio Garcia.

Lula tomou a decisão depois de se reunir à tarde, no Palácio do Planalto, com o ministro da Coordenação Política, Tarso Genro. Antes, no Palácio da Alvorada, o presidente havia se reunido com Berzoini, Genro, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, o jornalista responsável pelo marketing da campanha, João Santana, e o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho.

No início da noite, Lula convocou Berzoini para novo encontro, no Planalto, e comunicou que ele seria substituído por Marco Aurélio Garcia. Durante a reunião no Alvorada, convocada para avaliar a crise do dossiê e o impacto sobre a disputa eleitoral, o presidente, demonstrando muita irritação, cobrou explicações de Berzoini e questionou a participação de dois de seus amigos, Oswaldo Bargas e Jorge Lorenzetti, na campanha.

Lula, segundo relato de participantes do encontro, achava que Bargas ainda estava trabalhando no Ministério do Trabalho - ele foi, até pouco tempo atrás, secretário de Relações do Trabalho. Amigo de longa data do presidente, Bargas trabalhou com Berzoini no ministério. Ele é casado com Mônica Zerbinato, secretária particular de Lula no Palácio do Planalto. Segundo a revista "Época", Bargas e Lorenzetti procuraram um de seus repórteres, oferecendo um dossiê contra o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra.

Na reunião do Alvorada, Berzoini justificou a presença de Bargas e Lorenzetti na campanha, alegando que os dois trabalham na área de contra-informação, isto é, na descoberta de dossiês contra o candidato petista e também na busca de informações que comprometam candidatos adversários. O presidente do PT teria dito que esse tipo de trabalho é "natural" em campanhas políticas. O PT teria informações de que, em julho, o empresário Luiz Antônio Vedoin tentou vender aos tucanos, sem êxito, por R$ 10 milhões, um dossiê contra o candidato do PT, Aloizio Mercadante, e o deputado petista Arlindo Chinaglia.

Berzoini confessou, no encontro do Alvorada, que sabia da existência da "denúncia" contra Serra, mas assegurou que não sabia do dinheiro - R$ 1,7 milhão - encontrado pela Polícia Federal durante a prisão do petista Valdebran Padilha e o advogado Gedimar Passos, assessor de Lorenzetti na campanha de Lula. O dinheiro, segundo suspeita a PF, seria usado para pagar pela publicação do dossiê numa revista de circulação nacional.

Lula ficou irritadíssimo com a contradição de Berzoini. Na segunda-feira, ele declarou à imprensa que não sabia da existência do dossiê e que não sabia quem era Gedimar Passos, contratado por Lorenzetti para trabalhar na campanha. Um dia depois que a revista "Época" revelou que havia sido procurada por representantes do PT, Berzoini mudou sua versão. O presidente considerou "inaceitável" a contradição.

A preocupação de Lula, ao afastar Berzoini da campanha, era com os possíveis danos do escândalo à sua candidatura. Durante a reunião de ontem, João Santana revelou que, desde o fim de semana, quando o escândalo do dossiê veio à tona, vem fazendo pesquisas qualitativas para medir a reação do eleitorado. Na noite de terça-feira, quando o presidente ainda estava em Nova York, Santana fez uma apresentação prévia dos resultados dessas pesquisas em reunião com Aldo Rebelo, Berzoini, Tarso Genro e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Disse-lhes que, na sua avaliação, o escândalo ainda não afetou a candidatura Lula, mas há "indícios" de que isto pode acontecer.

Segundo as pesquisas, pelo menos 1/3 dos entrevistados acha que o escândalo é "armação da oposição", mas um mesmo número de eleitores acredita que o PT está envolvido no escândalo. "Poucos entrevistados acham que Lula está envolvido", contou um participante da reunião no Alvorada, citando as pesquisas feitas por Santana.

Lula exigiu, segundo relatos ouvidos pelo Valor, uma apuração rápida da origem dos R$ 1,7 milhão e a divulgação, pela PF, dos envolvidos no escândalo. O ministro da Justiça informou que a polícia está a "algumas horas" de descobrir a origem dos recursos, que teriam sido sacados de contas nos bancos Bradesco, Bank Boston e Safra. O dinheiro serviria para pagar Vedoin, seu pai, Darci, chefes da máfia das Sanguessugas, pela entrevista que concederam à revista "IstoÉ" na semana passada, e por parte dos documentos que compõem o dossiê montado pelo PT contra Serra.

Hoje, Garcia estréia na coordenação da campanha à reeleição, acompanhando o presidente Lula em entrevista ao "Bom Dia Brasil" da TV Globo. Às 10h, ele dá entrevista coletiva à imprensa. (Colaborou Paulo de Tarso Lyra)