Título: Abe quer fazer do Japão um país amado e autoconfiante
Autor: Coleman, Joseph
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Internacional, p. A12

O nacionalista Shinzo Abe venceu ontem a disputa pelo posto de líder do partido do governo no Japão, o que na prática significa que ele será o próximo primeiro-ministro da segunda maior economia do mundo. Em seu primeiro discurso, ele deixou claro que sua prioridade é a Ásia. Disse que espera manter reuniões regulares com os líderes da China e da Coréia do Sul e que quer fazer do Japão um país "amado" no mundo e mais confiante em si mesmo.

Abe vem de uma família de políticos. Seu avô, Nobusuke Kishi, foi primeiro-ministro. Seu pai, Shintaro Abe, foi ministro das Relações Exteriores. Tradicionalmente, a política japonesa é dominada por dinastias familiares.

Abe é o chefe de gabinete, algo como ministro da Casa Civil, do governo do atual primeiro-ministro, Junichiro Koizumi, um dos líderes mais populares do Japão no pós-guerra. Koizumi, que governa desde 2001 e conseguiu tirar o Japão de uma crise econômica que durava mais década, resolveu deixar o cargo este mês, apesar de poder ficar ainda mais três anos.

Abe derrotou dois adversários por larga margem, conquistando 464 dos 702 votos na eleição do Partido Liberal Democrático (PLD). Como líder partidário, ele deve ser eleito na próxima semana primeiro-ministro pelo Parlamento, onde a coalizão liderada pelo PLD tem ampla maioria.

Formado em ciências políticas pela Universidade Seikei, de Tóquio, Abe estudou política na Universidade do Sul da Califórnia.

Ele completa hoje 52 anos. Se confirmado pelo Parlamento, ele será assim o mais jovem premiê do pós-Segunda Guerra no Japão e o primeiro nascido depois de 1945, quando o conflito acabou.

Abe promete seguir adiante com as reformas econômicas iniciadas por Koizumi, transformar o país num líder mundial, fortalecer o cargo de premiê e manter o Japão na luta contra o terrorismo.

"Quero transformar o Japão num país amado e merecedor da confiança dos países do mundo, um país que exale liderança", declarou. Ele defende a adoção de uma linha dura contra a comunista Coréia do Norte e uma cooperação militar mais estreita com o principal aliado, os EUA, mas não deu detalhes sobre isso.

Apesar da herança familiar, Abe é relativamente inexperiente. Ele ingressou no Parlamento em 1993, mas assumiu o seu primeiro cargo ministerial há apenas um ano.

Abe fez campanha sobre como forjar um Japão mais confiante. Disse que tentará revisar a Constituição pacifista, imposta pelos EUA após a guerra, para dar mais liberdade de ação aos militares. Quer ainda promover o patriotismo nas escolas e afastar o país do complexo de culpa pela guerra.

"Ele é de uma geração que não conhece guerra", disse Takashi Sasagawa, deputado do PLD. "Não conhecer a guerra é o seu ponto forte, pois ele pode se colocar em igualdade de condições com outros países." Apesar de inexperiente, Abe se apresentou na votação com credenciais estratégicas para a vitória: altos índices de aprovação dentro e fora do seu partido e a benção do seu mentor, o premiê Koizumi.

"Gostaria de me unir a todos na tarefa de ajudar Abe a conquistar a confiança do público", disse Koizumi, minutos depois da votação.

Uma pergunta iminente para os vizinhos é saber até que ponto o Japão estará disposto a promover a sua visão de país libertado do legado restritivo da Segunda Guerra Mundial. O Japão ocupou amplas regiões da Ásia e suas tropas cometeram atrocidades, razão pela qual é visto na região com desconfiança e hostilidade.

Abe, por exemplo, apóia as cartilhas de história revisionistas, que ensinam os alunos a se orgulharem do seu país em vez de se concentrarem nos relatos sombrios de atrocidades e agressões japonesas. Ele também defende o santuário Yasukuni, que presta homenagem aos mortos do país em guerras, o que inclui muitos criminosos de guerra. As visitas regulares de Koizumi a esse santuário, em Tóquio, azedaram as relações japonesas com a China e a Coréia do Sul.

Abe exacerbou sua imagem conservadora ao questionar se cada premiê precisa repetir a desculpa padronizada pelos atos cometidos nos tempos da guerra. Quando a Coréia do Norte testou mísseis, em julho, Abe sugeriu apurar se a Constituição permitiria ao país realizar um ataque militar preventivo, na linha da doutrina Bush.

Os pacifistas japoneses argumentam que as atitudes de Abe beiram o perigo. Para seus defensores, ele representa um Japão que pode se postar em pé de igualdade com os demais países depois de décadas oferecendo a outra face.

"Ele pensa seriamente sobre os interesses nacionais do Japão", disse Ryohei Saito, 65, que visitava o santuário de guerra Yasukuni na quinta-feira passada. "O Japão tem sido fraco demais até agora, portanto precisamos ser mais assertivos. Acredito que Abe pode construir um Japão vigoroso."

Após a votação, Abe afirmou que suas prioridades serão a reforma da educação e a prorrogação da lei anti-terrorismo do Japão, que permite ao país prestar ajuda às forças da coalizão militar liderada pelos EUA no Oceano Índico.

Abe disse que deseja promover reuniões de cúpula com Pequim e Seul, e que todos os lados precisavam tomar providências para melhorar as relações. "É lamentável que os encontros de cúpula entre líderes chineses e japoneses não tenham ocorrido", disse Abe em entrevista TV NHK. "É importante que os líderes falem livremente entre si, ainda que haja vários problemas entre países vizinhos."

O governo chinês exortou Abe a manter a sua palavra e ajudar a melhorar as relações mútuas. "Esperamos que [Abe] se atenha à sua palavra e se empenhe com vigor para o aprimoramento e o desenvolvimento das relações entre a China e o Japão", disse uma nota no site da chancelaria chinesa.

Abe assumirá o comando de um Japão em transição. Depois de cinco anos sob Koizumi, as reformas tornaram o país mais competitivo, tirando a economia de uma crise de uma década, mas também ampliando uma perturbadora disparidade entre ricos e pobres. Abe disse que manterá as reformas.