Título: Nos EUA, Kirchner busca atrair investidor de volta à Argentina
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Internacional, p. A13

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, está em Nova York esta semana com uma difícil missão: recuperar o interesse dos investidores internacionais para seu país. O volume de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), que indica aplicações de longo prazo no setor produtivo no país, atingiu US$ 4,7 bilhões em 2005, quase 116% acima da média anual entre 2001 e 2003, auge da crise no país. Porém, ainda está distante do volume do período 1996-2000, quando recebia US$ 10,355 bilhões em média por ano, segundo os cálculos do economista Miguel Angel Broda, do Estudio Broda & Asociados.

Além disso, a Argentina recebeu em IDE o equivalente a 6,6% do que receberam todos os países da América Latina (veja quadro abaixo), enquanto o Chile, um país muito menor em dimensões físicas e econômicas, recebeu US$ 6,7 bilhões ou 9,3% do que foi investido pelos estrangeiros na região no ano passado.

"O país não tem poupança interna e está sem acesso ao mercado de capitais internacional. Para continuar crescendo a taxas elevadas, precisa de investimento estrangeiro", diz Sebastián Briozzo, diretor de risco soberano da agência de classificação de risco de crédito Standard & Poor's (S&P).

Nesta turnê pelo principal centro financeiro do mundo, Kirchner foi ontem o primeiro presidente da Argentina a tocar o sino de abertura do pregão da Bolsa de Valores de Nova York, gesto que carrega uma forte simbologia de aceno para o mercado financeiro.

A missão de Kirchner é difícil porque ainda está fresco na memória do mercado que o país impôs perda de 75% aos investidores de seus papéis, há apenas quatro anos, em uma renegociação da dívida externa que contrariou tudo que Wall Street pensa e prega.

Mas o presidente da Argentina leva seus trunfos. Primeiro, não foi ele quem deu o calote, mas seu antecessor, Fernando de la Rúa. Segundo, depois de assumir a gestão de um país no fundo do poço, Kirchner pode exibir hoje um balanço francamente positivo de sua política econômica pós-crise, com taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 9% em 2004, 9,2% em 2005, caminhando para algo próximo disso em 2006.

Mesmo com pouco capital externo, a taxa de investimento bruto total (público e privado) do país aumentou consideravelmente. De 11,3% do PIB, em 2002, atingiu o dobro em 2005, com 22%. Mas este ano já começou a desacelerar. Segundo o último relatório de atividade econômica do Indec, Instituto de Estatísticas e Censos, os investimentos cresceram 18,5% no segundo trimestre deste ano, bem abaixo dos 23% registrados no mesmo período do ano passado.

O grande motor desta taxa é a construção civil que cresceu 23,2% no segundo trimestre, chegando a atingir mais de 30% no mês de junho. Nunca se construíram tantos apartamentos residenciais, escritórios, shopping centers e hotéis neste país.

Os investimentos em maquinário cresceram apenas 11%, segundo o Indec. Pelas estimativas do Estudio Broda, os investimentos públicos, basicamente obras e equipamentos, respondem hoje por cerca de 3% da taxa de investimento total bruto, o que representa o dobro do que o governo investia antes da crise (1,6%). Boa parte do capital investido nos últimos quatro anos é nacional e representa reversão de lucros na própria atividade, no caso das empresas, diz Sebastián Briozzo, da S&P.

Quase todos os setores industriais estão reinvestindo os ganhos para ocupar uma capacidade ociosa criada depois da crise de 2002 e atender o forte crescimento do consumo interno, explica o economista Alejandro Ovando, diretor da IES Consultores. Apenas os setores automotivo e o de máquinas agrícolas ainda têm capacidade não utilizada para crescer. Já a construção civil tem recebido forte afluxo de dinheiro de pessoas físicas de alta renda, que preferem investir em imóveis do que no mercado financeiro local.

No entanto, analistas e economistas que acompanham o desempenho macroeconômico argentino alertam que o nível de investimento é baixo em setores-chave como energia (petróleo, gás e eletricidade). Ovando já prevê redução da taxa de investimento bruto para 18% em 2006 e 13,6% em 2007. "Muitas empresas já estão segurando seus projetos de investimentos por insegurança com o suprimento de energia", diz ele, lembrando que há duas semanas, o governo argentino ordenou que as empresas busquem sua própria energia caso pretendam consumir mais do que consomem hoje.

Outro fator que tem inibido os investimentos estrangeiros é a incerteza em relação ao marco regulatório de preços e tarifas públicas. "Os preços estão atrasados e não se sabe quando nem como serão atualizados", diz Briozzo.

Miguel Angel Broda calcula que, considerando a inflação registrada entre 2001 e 2006, a defasagem mínima dos preços é de 37,1% no caso de serviços regulados, chegando a 70,4% nas tarifas de telefonia. As tarifas de eletricidade estariam defasadas entre 56% e 61,3%.

Este atraso em relação aos custos foi gerado pela férrea determinação de Kirchner em manter reduzidos os índices de inflação. Ao invés de elevar a taxa de juros como faz o governo brasileiro, o governo argentino controla os preços direto na fonte, em acordos com as indústrias e o varejo para uma cesta de produtos, e contingenciando as exportações de uma série de itens para garantir o suprimento doméstico, notadamente carne, petróleo e gás.

"A falta de atualização do marco regulatório e dos preços no sistema energético pode ocasionar problemas se as condições climáticas não forem favoráveis", disse Ovando, da IES, referindo-se ao forte peso (mais de 50%) da energia hidrelétrica na geração total de eletricidade do país. "Além disso, a intervenção do governo em alguns mercados de bens transacionáveis, a fim de controlar a inflação, também pode limitar os investimentos", completa.

Briozzo no entanto está otimista com as perspectivas do país em atrair novos investidores externos. Além de uma boa infraestrutura de estradas e portos, há fatores novos como o superávit fiscal (primário e nominal), aponta o diretor da S&P. "É a primeira vez na história que a Argentina cresce ao mesmo tempo em que mantém o equilíbrio das contas públicas, por isso estou confiante no crescimento do país", afirmou.