Título: A reforma do FMI e o menor peso do Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Opinião, p. A14

O Fundo Monetário Internacional deu início à reforma do seu sistema de poder e, com menos ênfase e menos certezas, das regras para acesso ao crédito. Delegados de países, somando 90,6% dos votos, aprovaram a primeira etapa da mudança da representação, que culminou em um poder de fogo maior para a China, México, Coréia do Sul e Turquia. Os países da América do Sul, com o Brasil à frente, Egito e Índia protestaram contra a alteração, mas, como já era sabido de antemão, foram derrotados.

As mudanças no Fundo representam uma tentativa de impedir que a instituição se torne irrelevante, especialmente após a maior fase de prosperidade da economia mundial em 30 anos. Grande parte dos credores do FMI hoje acumula reservas espetaculares, como é o caso dos países asiáticos, onde elas caminham para os US$ 2 trilhões (excluindo-se o Japão). Outros contumazes devedores da instituição, como o Brasil e a Argentina, quitaram antecipadamente suas dívidas, e de uma forma saudável, no caso brasileiro, melhoraram expressivamente suas defesas contra crises externas. Alguns países asiáticos, que crescem sistemática e velozmente - a média prevista na região para 2006 é de 8% - crêem que pouco se deve esperar do FMI. Eles agora costuram a criação de um fundo regional, constituído com a montanha de dólares que têm acumulado. Obviamente, isto corrói ainda mais o prestígio e a autoridade do FMI como instância multilateral para prevenção e socorro a crises.

Fazer reformas em uma época de prosperidade é, porém, melhor do que fazê-lo durante crises. As discussões da direção do Fundo sobre uma linha de crédito emergencial para atender países com um passado de políticas macroeconômicas sólidas, com menos condicionalidades e mais rapidez, não pararam. O FMI não as descartou. Em sua mensagem final à reunião de Cingapura, o diretor-gerente, Rodrigo de Rato, menciona debates na direção do "novo instrumento de liquidez para países ativos no mercado internacional de capitais". "O board vem discutindo questões-chave e desenhos do formato desse instrumento", disse Rato. Entre as mudanças à vista está também uma nova política para acesso aos créditos, inclusive acesso ''excepcional". As portas não estão fechadas para a proposta do Brasil, mas caminham com vagar, dada a complexidade de elaborar novos mecanismos seguros e tempestivos para os empréstimos.

Para um governo de um partido como o PT, formado na escola do "fora FMI", a indignação dos representantes brasileiros com a reforma do direito de voto na instituição pode ser considerada um avanço. Entretanto, esta indignação está fora de foco. Em primeiro lugar, China, Coréia do Sul e México se encaixam no foco da política externa brasileira, que tem como essencial a aproximação comercial e política com os países do eixo Sul-Sul. Ainda que a base dessa política seja uma miragem, o Brasil deveria se regozijar pelo fato de seus "aliados" terem agora mais poder no FMI. Depois, esses países deixaram de fato o Brasil para trás em termos de crescimento, abertura internacional e peso de suas economias.

Além disso, a redistribuição feita no poder de voto foi mais simbólica - ela aponta que a intenção de reformar o sistema é para valer. Não foi apenas o Brasil que perdeu parte de seu pequeno peso (de 1,42 para 1,40%). Os cinco maiores países, que detêm mais da metade dos votos, também perderam, a começar pelos EUA (de 17,4% para 17,1%). É certo que isto é irrelevante na atual balança de poder, mas a crítica importante e imediata a fazer é a de que os países europeus têm uma participação muito acima de seu peso e, o que é tão importante quanto, estão com representação exagerada na diretoria da instituição - oito dos 24 membros são da Europa, que mantém o direito de escolher o diretor-gerente do Fundo - como apontou o colunista Martin Wolf, do "Financial Times'' em artigo publicado ontem pelo Valor.

O FMI se comprometeu a apresentar em dois anos a reformulação completa e a manter em aberto uma fórmula que contemple "mudanças de posições na economia mundial", como disse Rato. A fórmula defendida pelo Brasil, a do PIB medido pela paridade do poder de compra, pode ser uma boa idéia, mas não é uma fórmula milagrosa. Por qualquer critério, sempre ficará claro que o Brasil tem perdido poder econômico entre os países emergentes. Para ter mais voz no Fundo ele precisa - literalmente - crescer.