Título: China vai passar Argentina em vendas ao Brasil
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2007, Brasil, p. A3

A China encostou na Argentina e está prestes a ultrapassar o país vizinho e sócio do Mercosul como segundo maior fornecedor de produtos para o Brasil, perdendo apenas para os Estados Unidos. Os chineses venderam US$ 7,989 bilhões aos brasileiros em 2006, valor quase igual aos US$ 8,057 bilhões dos argentinos. A distância de apenas US$ 68 milhões equivale a pouco mais de dois dias de exportação da China para o Brasil no ano.

"A China vai passar a Argentina rapidamente. A tendência é a China ganhar espaço em todo o mundo", diz Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). No ano passado, a Argentina respondeu por 8,8% das importações do Brasil, apenas um décimo à frente da China, que atingiu 8,7%. Em relação a 2005, os chineses ganharam quase 1,5 ponto percentual de participação, enquanto os argentinos subiram três décimos.

Júlio Callegari, economista do JP Morgan, explica que os dois países estão aumentando as exportações para o Brasil em um ritmo acima da média. Em 2006, as importações brasileiras cresceram 25%, enquanto as compras de produtos argentinos subiram 30%. As importações de trigo da Argentina avançaram 54% de janeiro a novembro de 2006 em comparação com igual período de 2005, graças aos prejuízos causados à safra brasileira pelo clima. O setor automotivo também é importante combustível para o comércio bilateral. Por conta da vantagem cambial da Argentina, as montadoras retomaram as operações no país e a exportação de carros para o Brasil subiu 143% no período.

Apesar da boa classificação argentina, não resta dúvida que o fôlego dos chineses é maior. No ano que acaba de terminar, a China elevou em 50% as vendas para o Brasil. Mantidas essas velocidades, a ultrapassagem da Argentina pela China é inevitável e deve ocorrer no curto prazo. Entre os principais produtos importados da China, estão os componentes eletroeletrônicos. As importações de placas-mãe para máquinas de processamento de dados, por exemplo, aumentaram 233% de janeiro a novembro de 2006, ante o mesmo período de 2005.

Maximiliano Scarlan, economista da consultoria Abeceb.com, sediada em Buenos Aires, lembra que a Argentina está apenas recuperando posições nessa corrida, já que em 2006 atingiu o mesmo patamar de exportações de 1998, período áureo do Mercosul, quando o país já embarcava para o Brasil pouco mais de US$ 8 bilhões. Entre 1998 e 2006, as exportações da Argentina para o Brasil aumentaram apenas 0,4%, enquanto as vendas da China dispararam 672%. Em termos relativos, a Argentina perdeu um espaço importante no mercado brasileiro. A fatia do país vizinho nas importações do Brasil caiu de 14%, em 1998, para os atuais 8,8%. Já a China saltou de 1,8% para 8,7% no período.

Como os dois países não são competidores diretos, os produtos chineses não estão exatamente deslocando os argentinos do mercado brasileiro. "O impacto da concorrência da China é abortar as pretensões de exportação da indústria argentina", diz Ribeiro. Além de componentes eletrônicos, o Brasil importa da China máquinas, calçados, têxteis, entre outros produtos manufaturados. Já a pauta de compras da Argentina está concentrada em trigo, derivados de petróleo, produtos químicos e automóveis. Em apenas alguns setores já existe competição intensa, caso de autopeças e pneus.

A Argentina conta com vantagens importantes na disputa pelo mercado brasileiro: está geograficamente muito próxima, vende seus produtos com isenção de tarifa por conta dos acordos do Mercosul, e possui um câmbio artificialmente desvalorizado. O dólar está cotado hoje a R$ 2,00 no Brasil e a 3 pesos na Argentina. Os chineses, no entanto, conseguem ser mais competitivos. Sérgio Vale, economista da MB Associados, explica que a China leva vantagem graças aos baixos salários, à expressiva escala e à produtividade das fábricas.

Ribeiro, da Funcex, aposta que o Brasil vai amargar déficit com a China em 2007, depois da euforia provocada pelos robustos superávits dos últimos anos. Em 2003 - ano em que ocorreu o boom de exportação de commodities para a China e no qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou o país - o Brasil apurou superávit de US$ 2,3 bilhões nas trocas com os chineses. Desde então, as exportações brasileiras cresceram 24% em média, o que é um bom resultado, mas as vendas de produtos chineses avançaram 55% ao ano. Resultado: o superávit do Brasil com a China encolheu para US$ 410 milhões em 2006.

"Os chineses são importantes produtores de itens populares, segmento no qual o consumo está crescendo", diz Callegari, do JP Morgan, referindo-se aos efeitos dos programas de transferência de renda do governo Lula para a renda da população mais pobre. Vale, da MB, acredita que a China pode eventualmente ultrapassar até os EUA, hoje líderes isolados nas vendas para o Brasil, com US$ 14,8 bilhões. "No momento em que a China produzir itens com tecnologia mais elevada, isso pode acontecer", diz.

Já com a Argentina, que consome os manufaturados brasileiros, o Brasil conquistou um importante superávit. Em 2002, o saldo de US$ 2,4 bilhões estava a favor dos argentinos. Com a desvalorização da moeda brasileira em 2003, as posições se inverteram. A Argentina amargou prejuízos de US$ 3,6 bilhões nas trocas com o Brasil em 2005 e em 2006. Como atualmente o câmbio é favorável à Argentina, esse jogo pode até virar novamente, mas deve demorar um pouco.

Os analistas acreditam que a maior presença de manufaturados chineses nos mercados brasileiro e argentino não deve ser motivo para divergências entre os dois países, que algumas vezes se vêem mais como adversários do que como sócios. "Argentina e Brasil têm que enfrentar o problema da China conjuntamente", diz Scarlan, da Abeceb.com. Em 2006, a China obteve um superávit comercial com o mundo de US$ 177,5 bilhões, um recorde que assusta corredores experientes. E Brasil e Argentina ainda são iniciantes na maratona do comércio mundial.