Título: O mercado de commodities está virando
Autor: Barros, J. Roberto Mendonça de
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Opinião, p. A15

Nos últimos quatro anos o mundo vem crescendo de forma extraordinária, ao mesmo tempo em que a inflação se reduziu por todas as partes. O fenômeno da globalização aprofundou-se e o comércio internacional expandiu-se a taxas muito robustas.

Puxado pelos Estados Unidos e China, o consumo de energia e de matérias primas, especialmente industriais, explodiu, colocando as cotações nas alturas. Segundo o World Economic Outlook, recém-lançado, os preços em dólares das commodities (sem petróleo) cresceram 60% entre 2002 e julho de 2006. Os preços de metais avançaram extraordinários 180%, enquanto que alimentos e bebidas subiram algo como 20%. As matérias-primas agrícolas, por outro lado, subiram escassos 4,3%, como resultado, entre outras causas, do indecente subsídio americano aos produtores de algodão.

O preço do petróleo Brent subiu de US$ 19,5, em janeiro de 2002, para US$ 73,9 em julho último, um crescimento de nada menos 280%.

Entretanto, veremos em 2007 um cenário diferente que, na realidade, já começou a se esboçar. De fato, o CRB - índice de preços de commodities mais conhecido - caiu de 353,7 no início de agosto, para 305,1 há três dias, uma queda de pouco mais de 13%. A causa básica deste movimento é a expectativa de redução do crescimento americano, especialmente a partir do primeiro trimestre do próximo ano. Adicionalmente, o governo chinês esforça-se para desaquecer um pouco sua economia.

De fato, o receio de uma pressão inflacionária na economia americana, que levaria o FED a continuar elevando as taxas de juros, foi substituído pela certeza de uma desaceleração no mercado imobiliário daquele país, com efeitos deletérios no comportamento do consumidor. Esta redução vai implicar num crescimento econômico menor. A grande dúvida dos mercados é se teremos apenas um desaquecimento significativo (neste caso, a economia americana estaria crescendo, de forma anualizada, algo como 1,5% no primeiro trimestre do próximo ano) ou uma recessão. Creio que a primeira hipótese é a mais provável, tendo em vista que a redução dos preços da gasolina irá repor parte da renda do consumidor; além disso, o FED pode começar a reduzir as taxas de juros já no início do próximo ano.

Quanto à China, as estatísticas oficiais mostram que o PIB vem evoluindo a uma taxa de 10,5% ao ano, com uma fenomenal taxa de investimentos de 44%. As autoridades chinesas vêm elevando cautelosamente os juros, deixando o yuan valorizar-se um pouco e intervindo em certos planos de expansão patrocinados por províncias, tentando evitar que o crescimento da capacidade produtiva crie uma crise em caso de uma redução do mercado externo.

-------------------------------------------------------------------------------- Saldo comercial será menor em função do ajuste no mercado de commodities, da redução da exportação de manufaturados e da elevação das importações --------------------------------------------------------------------------------

Aos movimentos de China e Estados Unidos devem ser adicionadas as esperadas reduções no crescimento da área do euro e do Japão, compondo um quadro de menor expansão econômica que deverá resultar no desaquecimento das cotações de commodities energéticas e industriais. Não se trata de colapso dos mercados nem de um movimento de curtíssimo prazo, mas de um reajuste nas posições compradas nos preços que deverão durar certo tempo. Notícias desta semana de problemas com contratos futuros de gás natural de um grande fundo hedge certamente reforçarão a cautela.

Por outro lado, cotações mais moderadas não significam ausência de volatilidade. Notícias de furacões ou de agravamento da situação política de Irã ou mesmo de um inverno mais forte poderão fazer flutuar as cotações de petróleo. Entretanto, estou seguro que as razões fundamentalistas quanto à redução da demanda derivada do menor crescimento prevalecerão. Por exemplo, os estoques de petróleo estão subindo apreciavelmente há meses, sem que se dê muita atenção a isto. Com a pausa nas cotações, a mesma informação passou a ser mais valorizada, bem como o teste bem-sucedido em águas profundas do Golfo do México, embora apenas em futuro distante vá se elevar a oferta de óleo daí extraída. Quem acompanha ou vive a área financeira há muito tempo sabe que só um tranco faz o mercado acordar para alterações nos fundamentos.

Quais serão as conseqüências de uma mudança, ainda que moderada, no ciclo de alta dos mercados de commodities?

A primeira delas está na redução de pressões inflacionárias, tanto diretas quanto indiretas. Tanto nos dados americanos, quanto no IPA brasileiro, os preços de metais, produtos químicos e outros vêm pressionando os custos de materiais, e isto deve arrefecer. No caso do Brasil, em particular, não há mais razões para se esperar por um aumento de preços de derivados de petróleo após as eleições.

Em segundo lugar, o menor custo de materiais e energia dá ainda mais vantagens para a economia chinesa, cuja produtividade não pára de se elevar. Com a redução do crescimento dos países ricos, poderemos esperar que a China tente colocar em países como o Brasil aquilo que não mais venda para os americanos, especialmente via redução de preços. Veremos em 2007 o tamanho da ofensiva chinesa no Brasil.

A terceira conseqüência desta análise se dá sobre a balança comercial. É sabido que a principal razão dos excelentes resultados obtidos até agora é o desempenho das exportações de commodities, especialmente pelo comportamento dos preços (no caso do petróleo também ocorre um grande incremento nas quantidades vendidas ao exterior). Um ajuste neste mercado, somado à perda de dinamismo nas quantidades exportadas de manufaturados e à elevação das importações, provocará uma redução no saldo comercial. Esperamos, pois, uma leve desvalorização do real, reforçada pela queda esperada na taxa de juros.

Finalmente, uma acomodação nos preços do petróleo deverá esfriar um pouco o interesse de alguns novatos e investidores ocasionais no mercado de bioenergia, lá fora e aqui. Uma última palavra: o ano de 2007 promete novas emoções, políticas e econômicas.

José Roberto Mendonça de Barros é economista da MB Associados. Escreve mensalmente às quintas-feiras.