Título: Para Tarso, PMDB será o 'eixo' da coalizão
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2007, Política, p. A7

Pá de cal na pretensão reeleitoral de Aldo Rebelo, o apoio do PSDB à candidatura do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) à presidência da Câmara devolve o PMDB ao centro das decisões políticas do Congresso e transforma a sigla na coluna vertebral da coalizão de 11 partidos em estruturação pelo Palácio do Planalto. "Um fato histórico que está ocorrendo e que é, estruturalmente, mais importante que a disputa da Mesa da Câmara, é a colocação do PMDB como partido majoritário do Congresso Nacional", disse ao Valor o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Junto com o PT, segundo Tarso, os pemedebistas formarão "o eixo de uma coalizão para o próximo período, um ano que vai ser de extrema complexidade".

Somados, PMDB e PT elegeram 171 deputados. O PMDB fez a maior bancada, com 89 deputados, e tinha preferência na indicação do próximo presidente da Câmara, da qual abriu mão em favor dos petistas. Esse movimento abalou os alicerces da candidatura que Aldo (que se assentava no apoio dos 131 deputados eleitos por PFL e PSDB e no grupo pemedebista que apoiou Lula no primeiro mandato) e levou os tucanos a reagir de forma pragmática: entre uma candidatura minada na base e uma outra viabilizada pelo PMDB, os tucanos decidiram cuidar dos próprios interesses e abandonar o parceiro de oposição, o PFL.

A decisão isola o PFL, que cobrava solidariedade do parceiro de oposição no primeiro governo do PT. Mas cria também constrangimentos internos. No Senado, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), assegura que o "árbitro da decisão do partido será o senador José Agripino", candidato pefelista ao lugar de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Casa. Na Câmara, o líder da minoria, José Carlos Aleluia (BA), lamentou que o PSDB tenha perdido a oportunidade de impor uma derrota ao PT: "Parece que os tucanos nos consideram mais hostis a eles que o PT", disse. "A oposição está desarticulada. Ainda não afinou a viola, o que é difícil, após perder uma eleição, mas também não seria o caso de dividir os exércitos".

Para dourar a pílula, tucanos falam numa distensão nas relações com o PT nos dois primeiros anos de Lula. Na realidade, os interesses práticos das seções de São Paulo, Minas Gerais e da Bahia motivaram o PSDB. Em São Paulo e na Bahia, os tucanos se acertaram com o PT para eleger o próximo presidente das Assembléias dos dois Estados - no caso paulista, contra o candidato do prefeito pefelista Gilberto Kassab, um aliado do governador José Serra. Pelo critério da proporcionalidade na distribuição dos cargos da Mesa da Câmara, o PSDB deverá indicar o 1º vice-presidente - cargo que está destinado ao deputado Nárcio Rodrigues, aliado do governador mineiro Aécio Neves.

Para Tarso Genro, o fato de a oposição, num primeiro momento, ter tentado se "reorganizar" em torno da candidatura de Aldo era uma fato absolutamente "normal" na vida do Parlamento. Mas desde a manhã de ontem, quando a decisão do PSDB ainda não era conhecida, ele advertia que Arlindo Chinaglia também tinha avançado nas conversas não só com o PSDB mas também com setores do PFL. "O presidente da Câmara não é presidente da coalizão. Ele preside a Câmara", dizia. Para o ministro, o importante era a consolidação da coalizão de governo em torno do eixo PMDB-PT, que deve dar estabilidade para as relações entre o Executivo e o Legislativo.

Resta saber até onde vai a unidade do PMDB. O partido foi seduzido pela proposta do PT de, daqui a dois anos, na sucessão de Chinaglia, receber o apoio dos petistas para a presidência da Câmara. Em 2009, portanto, os pemedebistas presidiriam as duas Casas do Congresso (é maioria também no Senado). Além disso, a sigla espera sair das eleições das Mesas com pelo menos quatro ministérios e efetiva divisão de poder com o PT.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Tarso Genro ao Valor:

Valor: A decisão do PMDB de apoiar Chinaglia a presidente da Câmara está sendo decisiva para consolidar a coalizão?

Tarso Genro: Um fato histórico, estruturalmente mais importante que a disputa da Mesa, é a colocação do PMDB como partido majoritário no Congresso Nacional, no centro político do país, numa posição entre a esquerda e a direita, no centro de uma coalizão política e começando a agir como um partido nacional.

Valor: O senhor está interferindo na eleição da Câmara?

Genro: É óbvio que eu estou acompanhando a questão da Mesa da Câmara e atribuo a ela uma grande importância. E é obvio também que, para o governo, tanto o Renan (Calheiros, presidente do Senado e candidato à reeleição) como o Arlindo (Chinaglia, candidato do PT na Câmara) são presidentes adequados. Pelo capital político que têm, pelo respeito dos colegas e assim por diante. Agora, em relação a essa questão da Mesa da Câmara, unicamente, a ação que o governo tem se preocupado em fazer é criar condições na base aliada para um diálogo que não permita o surgimento de uma candidatura que obstrua as relações internas na Câmara e obstrua as relações externas do Executivo com o Legislativo como ocorreu com o Severino Cavalcanti.

Valor: Ou seja, o governo tranqüilamente admite as duas candidaturas.

Genro: As duas candidaturas não são inconvenientes para o governo. Inconveniente para o governo seria se tivesse uma laceração, uma fragmentação dentro da Câmara que permitisse o surgimento de uma candidatura como a do Severino. Eu não estou fazendo o julgamento moral do Severino. Eu estou analisando do ponto de vista estritamente político. A instabilidade interna que reinou, que ele propiciou, e a instabilidade externa que reinou entre o Executivo e o Legislativo naquele período. Então toda a preocupação do governo, todas as manifestações que nós fizemos nas reuniões dos 11 partidos está articulada em cima dessa visão.

Valor: O governo vai se manifestar formalmente?

-------------------------------------------------------------------------------- Inconveniente para o governo seria se tivesse uma laceração, uma fragmentação dentro da Câmara" --------------------------------------------------------------------------------

Genro: É claro que pode chegar um determinado momento em que eu, em nome do governo, manifeste uma opinião, mas apenas de quem teria mais condições de ser vitorioso, como mera avaliação de agregar os votos da base aliada. Agora, como resultado político, sendo o Aldo, sendo o Arlindo, para o governo seria absolutamente tranqüilo pela confiança que nós temos nos dois.

Valor: Com a decisão do PSDB, não chegou a hora de o sr. dizer quem tem mais chances de vitória?

Genro: Ainda não. Na segunda-feira o PL e o PP devem se reunir. Vamos esperar o resultado para que a gente tenha uma visão ampliada sobre o assunto.

Valor: Mas duas candidaturas não ameaçam a coalizão?

Genro: O movimento de acompanhamento que eu estou fazendo está muito mais preocupado em utilizar no bom sentido esse episódio (a eleição) para compatibilizar a coalizão e a ajudar a que o PMDB ocupe o papel de centro no espectro político e seja, juntamente com o PT, que é o segundo partido, é o partido do presidente, o eixo de uma coalizão política estável para o próximo período, um ano que vai ser de extrema complexidade. Nós achamos inclusive que é tão importante esta presença do PMDB na coalizão como é importante a edição, no próximo dia 22, das medidas do PAC, que será a tradução, no plano político-administrativo, daquele programa de unidade que nós apresentamos no começo e que muito pouca gente levou a sério e que agora vai ver como a afirmação concreta daquele acordo de coalizão que foi feito. Então nós estamos lidando é com esses eixos macropolíticos. É aí que eu estou trabalhando, estou intervindo, estou me movendo.

Valor: Um presidente do PT não esgarça as relações com a oposição?

Genro: Não pode nem deve. Tanto é verdade que o Arlindo também tem apoio de deputados do PSDB. O presidente da Câmara não pode ser um presidente que vai trabalhar para a coalizão. O presidente da Câmara vai trabalhar para a Câmara. O grande dever republicano que ele tem é dar estabilidade nas relações Executivo-Legislativo. Essa vai ser a função, seja o Aldo, seja o Arlindo. Até porque o Aldo já cimentou essa estrada na sua gestão.

Valor: O senhor ainda acredita na candidatura única?

Genro: Eu vou continuar estabelecendo as práticas de diálogo dentro coalizão para verificar se isso é possível. Mas se isso não for possível, não nos põe em crise e nem nos imobiliza. Achamos que é normal e não compromete a coalizão. A coalizão é soldada por todos os partidos que a compõem, mais pela apresentação dessas medidas programáticas e pela posição que o PMDB, como partido majoritário, tem dentro dela.

Valor: O PMDB é que viabiliza a coalizão dos 11 partidos?

Genro: Quando o PMDB passa a tomar decisões unitárias como partido nacional ele se afirma cada vez mais como o elemento de estabilidade da coalizão. Eu não tenho dúvidas disso.

Valor: O PCdoB pediu neutralidade do governo na disputa.

Genro: Os meus companheiros do PCdoB sabem que eu tenho uma atitude de neutralidade, e os do PSB também sabem. Porque eu conversei exaustivamente com eles sobre esse assunto. Essas coisas que estão sendo ditas, estão sendo ditas dentro da política normal no Congresso, portanto, não atingem nossas relações. E eu tenho relações sérias com eles, e eles sabem disso.