Título: Venezuela tem investimento externo negativo em 2006
Autor: Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2007, Internacional, p. A8

AP Os presidentes Hugo Chávez (esq.), da Venezuela, e Evo Morales (dir.), da Bolívia, participam da cerimônia de posse de Daniel Ortega (centro), na Nicarágua Os investidores estrangeiros não esperaram o início do processo de estatização, anunciado na segunda-feira pelo presidente Hugo Chávez, para retirar ativos da Venezuela. O país teve desinvestimento em 2006, segundo dados acumulados até o terceiro trimestre. De acordo com o Banco Central venezuelano, nesse período o investimento direto estrangeiro ficou negativo em US$ 778 milhões.

Economistas do governo atribuem a saída de investimentos ao processo eleitoral do ano passado. Para a Unctad e economistas independentes, o nacionalismo e as políticas antinegócios de Chávez estão afugentando os investidores.

Pelos dados do BC venezuelano, registrado na conta de balança de pagamentos, o investimento direto estrangeiro (IDE) no país vem caindo desde que Chávez assumiu o poder, em 1999. Nos sete anos até 2006, o investimento num chegou aos níveis de 1997 e 1998 (veja gráfico). Mas nunca foi negativo, como no acumulado dos três primeiros trimestres de 2006.

Além disso, o país registra os investimentos externos por meio de cinco outros órgãos especializados: um para o setor de petróleo, um para mineração, um para bancos, um para seguros e um (o Siex) para o restante da economia.

Desses órgãos, o único que divulga regularmente dados sobre investimento externo é o Siex. Segundo as estatísticas mais recentes, o país recebeu apenas US$ 75 milhões em IDE até setembro de 2006 (veja gráfico), para todos os setores, menos os quatro citados.

Como a economia como um todo teve desinvestimento de US$ 778 milhões, o grosso desse valor deve ter saído do setor petrolífero. No início de 2006 entraram em vigor os novos contratos de exploração de petróleo, renegociados pelo governo, pelos quais a estatal PDVSA passou a ser majoritária em todos os projetos. Isso deve ter levado algumas empresas petrolíferas a retirar investimentos do país.

Segundo um relatório do Conapri (Conselho Nacional de Promoção de Investimentos), órgão do governo, os números de 2006 são "atípicos". "Esse enfraquecimento corresponde a um ano eleitoral, no qual os investidores tendem a ser mais cautelosos", diz o órgão. Em dezembro houve eleição presidencial e, como previsto, Chávez foi reeleito por ampla margem.

A mesma explicação foi dada ao Valor por Luis Monjes, economista do Siex (Superintendência de Investimentos Estrangeiros), órgão do governo. Segundo ele, estudo do Siex "mostra que em anos eleitorais os investimentos caem".

Para Luis Vicente Léon, diretor do instituto venezuelano Datanálisis, o dado é mesmo atípico, mas não por causa da eleição. "A situação é anormal. Se vende como nunca, a economia cresce, mas os investimentos estão reprimidos."

A Venezuela é o país que mais cresceu na América Latina em 2006, 10,3% segundo o BC. As vendas de automóveis cresceram 50%.

Léon acredita que o IDE não ficará negativo quando foram somados os dados do quarto trimestre, mas que o saldo "será muito baixo, quase zero".

Ele atribui o problema a Chávez. "A razão fundamental é o risco político, seja ele real ou imaginário", disse. "O discurso político do presidente é muito agressivo, há uma tensão permanente. Os anúncios deixam nervosos os empresários, especialmente a questão do direito de propriedade."

Chávez pediu ao Congresso poderes especiais para baixar uma série de "leis revolucionárias", que devem, entre outras coisas, redefinir o conceito de propriedade. "Os investidores teme que investimentos de longo prazo possam ficar presos no país", disse Léon ao Valor.

A Unctad, órgão da ONU para o comércio e o desenvolvimento, concorda com Léon e atribui às políticas nacionalistas de Chávez a queda nos investimentos, em relatório divulgado esta semana.

"O ambiente para investimentos é muito negativo, apesar das oportunidades geradas pelo crescimento", disse Léon. E ele acredita que o problema vai se agravar este ano, com o aprofundamento do socialismo proposto por Chávez.

Monjes, o economista do Siex, concorda que a imagem negativa do socialismo que vem sendo passada pode prejudicar os investimentos. Mas diz que, se os investimentos visam lucros muito grandes, não interessam ao país. "Queremos investimentos que gerem felicidade para a nação. Não podemos permitir que tenham lucros grandes. Isso gera sérios problemas sociológicos, como desigualdade e violência."