Título: Decisões para o presidente Lula
Autor: Cordeiro, Mário
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2007, Opinião, p. A10

Os estudiosos de tomada de decisões terão um campo fértil de análises ao compararem os estilos decisórios, por exemplo, do presidente Lula, do Brasil, com o do presidente Truman, dos EUA. Este, na solidão do poder, vaticinou que gostaria de ter ao seu lado economistas com uma só mão, visto que esses o alertavam para o "trade-off" do "on the one hand" de cada medida. Por sua vez, o presidente Lula recebe os fazedores de política econômica em seu gabinete, ouve as suas propostas, e as coloca em discussão sob os moldes de uma "assembléia sindical".

O problema desse tipo de "tomada de decisão" é que, caso haja erros, estes não serão dos economistas políticos, mas sim do presidente Lula, que não influenciou o processo de decisão. Não adianta dizer, como no seu discurso de posse, que "quero hoje pedir, com toda a ênfase, pressa, ousadia, coragem e criatividade para abrir novos caminhos" porque, sob um regime presidencialista, não determinar as linhas de ação governamental é fatal para quem sonha e deseja entrar para a História, e não quer passar a ser a estória de um operário que virou presidente.

É isso que está ocorrendo com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ainda que tenha havido anúncio oficial, constata-se que o particularismo e a especificidade de cada proposta impedem que vá se agregando cada medida, de modo que o presidente tenha em mãos uma estratégia clara e bem definida de diretrizes que fundamentem um projeto de "desenvolvimento econômico com eqüidade social" e "concertação nacional".

Para implantar essa estratégia é preciso sair da atual guerra de posição - comum à era Zé Dirceu - para uma guerra de movimento - ao gosto do Tarso Genro -, só que integrando e conciliando opostos, seguindo o estilo do presidente Lula, para fazer com que brasileiros egoístas cooperem entre si. Esse projeto pode ser imposto a todos como decorrência lógica dos consensos já estabelecidos na sociedade brasileira. A bem da verdade, estamos num momento histórico único da nossa sociedade, onde é consensual a necessidade de incentivar a infra-estrutura e de melhorar tanto a qualidade quanto o controle dos gastos públicos.

Se há consenso no geral quanto a essas questões, por que quando se desce às particularidades de cada uma das medidas e ações do PAC reina e impera o dissenso? Isso não é ausência de exercício do poder, mas falta de pensamento e ação integrativa por parte da equipe presidencial para atrair os opostos e impor o modo "lulista" de governar.

Por exemplo, para "destravar" a economia e incentivar o crescimento já se sabe que no PAC haverá um Plano Piloto de Investimento em Infra-estrutura (PPI). Neste caso, atrair opostos consistiria em copiar a ação feita por Tony Blair no início do seu mandato, quando criou as regras de "golden rule" e de "investimento sustentável". De acordo com a "golden rule", o governo inglês, para investir em infra-estrutura, só contrairia empréstimos ao longo do ciclo econômico se, e somente se, o dispêndio público não excedesse a receita tributária corrente. Ele ainda impôs uma regra de investimento sustentável para que a relação dívida pública/PIB ficasse estabilizada em torno de um percentual pré-determinado a cada período do ciclo.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso romper simbiose entre o burocrata-mor e o orçamento público de modo a impor e subordinar conjuntamente as peças --------------------------------------------------------------------------------

Além de adotar essas regras, o presidente Lula deveria exigir de sua burocracia que toda a contabilidade pública de investimento fosse apartada do orçamento, generalizando a prática do PPI em curso para todo o conjunto do governo. Essa modernização orçamentária na esfera de investimentos deveria inclusive ser radicalizada na direção do orçamento das estatais, desde que fossem levadas em consideração as normas do FMI que permitem dar mais transparência às inversões e aos investimentos, levando em consideração os interesses e as transferências para o seu principal controlador, o governo. Com isso, os favoráveis e os detratores do gasto público com investimento se calariam e haveria numa inédita união dos opostos.

A outra união dos opostos a ser buscada pelo presidente Lula seria na melhoria simultânea da qualidade e do controle dos gastos (correntes) públicos. Isso não é ação para o seu "gespública". É preciso romper a atávica simbiose entre o burocrata-mor (normalmente secretário-geral do ministério) e o orçamento público, de modo a impor e subordinar conjuntamente -a s peças orçamentárias e os secretários-gerais - aos interesses da "concertação nacional".

Devemos sempre lembrar que a função objetivo do burocrata público - em qualquer governo - é maximizar o volume do seu orçamento. Por isso é que as estimativas de gastos, principalmente correntes, que vêm de baixo para cima, estão sempre superestimadas. Dada a linha hierárquica de cada entidade do governo, a demanda por recursos públicos expressa em cada programa governamental acaba estourando na totalização do orçamento público, obrigando que cortes sejam feitos, ou pelo presidente, ou pelo Congresso Nacional.

Ao colocar nos ombros dessas autoridades os ônus e os custos pela alocação de recursos públicos, as luvas de pelica dos burocratas não têm de ficar sujas parar fazer reengenharia, reescrever rotinas e procedimentos e reduzir custos. Enfim, serem mais eficientes e fazer mais com menos recursos.

Para fazer com que a burocracia trabalhe à semelhança do setor privado, o presidente Lula deve se inspirar na estratégia do presidente Clinton. Em 1993, o presidente norte-americano fez passar o "Balanced Budget and Emergency Deficit Control Act", medida que buscava controlar o orçamento norte-americano e consistia, de um lado, em estabelecer a elaboração de um relatório de revisão de performance por cada agência pública, e, de outro lado, definia cortes anuais nas despesas correntes - de consumo - ao longo do governo. Isso impôs um duplo condicionamento sobre a burocracia, visto que esta tinha de atuar sob uma restrição orçamentária que decrescia ao longo do tempo e, anualmente, tinha que justificar a sua razão de ser ao contribuinte. Para não perderem os dedos, os burocratas cederam os anéis e saíram buscando soluções - oriundas do setor privado - para reduzir os custos de manutenção da máquina pública. Tio Sam ficou mais eficiente e, junto com o progresso tecnológico, facilitou o crescimento econômico dos Estados Unidos.

Para acelerar o crescimento da economia brasileira, sob o regime presidencialista, caberia ao presidente Lula reunir seus assessores econômicos para analisar essa experiência internacional e sua aplicabilidade no Brasil, e depois chamar os juristas da Casa Civil para elaborarem uma lei complementar para ser encaminhada ao Congresso Nacional. É uma decisão simples e objetiva de mandar, que não requer divagações filosóficas do tipo "sou diferente na consciência do que posso e do que não posso, no pleno conhecimento dos limites", pois isso é coisa para discurso, não para quem quer pressa, ousadia, coragem e criatividade para abrir novos caminhos.

Mário Cordeiro de Carvalho Junior, é Professor da FAF/UERJ.