Título: Dependências das 'quatro grandes' preocupa investidor
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Empresas, p. B2

Não importa o que você pense sobre a qualificação de quem elabora sua contabilidade, os auditores são apenas humanos. E os seres humanos tendem a aproveitar-se de seu poder. Portanto, é compreensível que o órgão regulador da contabilidade britânica tenha revelado na semana passada que os investidores e diretores financeiros das maiores empresas do país estão preocupados com o domínio das quatro grandes auditoras internacionais - Deloitte, Ernst & Young, KPMG e PricewaterhouseCoopers (PwC). Não é um problema exclusivo britânico: a contabilidade é uma profissão global - e precisa de uma solução global.

A auditoria das contas é vital para os investidores, que precisam de balanços confiáveis para alocar seu capital de forma eficiente. É do interesse de todos ter confiança no trabalho que os contadores fazem. As dúvidas no passado centravam-se no conflito de interesse, já que os auditores ganham grandes honorários para, além da contabilidade, também prestar assessoria fiscal e serviços de consultoria. Foram promovidas mudanças, bem recebidas, para salvar os auditores dessas tentações.

Na semana passada, os receios que vieram à tona referiam-se à questão da falta de opção. Se uma das quatro grandes empresas mundiais de contabilidade ruir, algumas das maiores empresas de capital aberto do mundo poderiam ver-se sem alternativa. Muitas empresas, mesmo atualmente, podem escolher apenas entre três, já que contratam serviços de consultoria de uma das quatro grandes e não podem tê-la como auditora.

Como as auditorias tendem a especializar-se setorialmente, algumas empresas não têm opção alguma. O cenário mais sombrio seria o de que as quatro usassem esse poder para dominar reguladores, responsáveis por criar as regras e litigantes. Por um lado, dominam os órgãos oficiais da profissão; por outro, não podem ser severamente punidas por receios de que em vez de quatro, passem a ser três, ainda mais dominantes.

Não é uma ameaça vazia. A profissão está com problemas apenas porque a Andersen, auditoria da Enron e da WorldCom, quebrou em 2002, depois de receber condenação (posteriormente derrubada) por obstrução da Justiça. Desde então, a divisão da Ernst & Young nos Estados Unidos foi proibida, por seis meses, em 2004 de fazer a auditoria de novos clientes de capital aberto por conduta negligente e irresponsável e o órgão regulador financeiro do Japão suspendeu a licença de auditoria da unidade da PwC naquele país por dois meses.

É difícil deixar de ter suspeitas de que a Ernst & Young pôde continuar com seus clientes antigos por receio das conseqüências. Um dos motivos pelos quais os promotores americanos não indiciaram a KPMG no ano passado por seu envolvimento em um caso de suspeita de grandes fraudes fiscais pode ter sido evitar o risco de outra quebra parecida à da Andersen.

Todos têm sua própria receita para solucionar a questão. A menos atraente é a de um dos auditores, de que o Estado as proteja, limitando as dívidas que poderiam ter em caso de processo por danos impetrados por algum cliente descontente. Pesquisas acadêmicas sugerem que legislações similares nos Estados Unidos levaram os auditores a cortar caminhos e assumir mais riscos. Outros acreditam que a melhor solução é ajudar as empresas de médio porte a fazer a auditoria das grandes empresas de capital aberto. O problema é que as empresas menores investiriam para ter condições de fazer isso apenas se tivessem chances de receber trabalhos. E, sem reputação, a atratividade dessas auditorias menores é limitada.

A melhor forma de assegurar independência (e enfraquecer o domínio das grandes auditorias) é o rodízio compulsório: os clientes seriam obrigados a indicar uma nova auditoria a cada sete anos, mais ou menos. Com essa mudança, não pareceria que quatro é um número tão baixo. Enquanto isso, os reguladores não têm motivos para facilitar a situação das grandes auditorias por medo do que poderia acontecer se fizessem o que é certo fazer. Se uma das quatro grandes quebrar, que quebre. Então, será o momento de medidas drásticas e as três restantes teriam de ser desmembradas.