Título: Rodovias centralizam debate sobre preservação da Amazônia
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2007, Especial, p. A12

Este será o ano do "vai ou racha" para a Amazônia. Após meses de estudos, discussões e audiências públicas, o governo federal irá dar início a dois processos que estão no centro de sua estratégia para proteger a floresta. O primeiro será a implementação dos planos de manejo - as concessões à iniciativa privada da exploração sustentável na região. O segundo será a conclusão do "muro verde", um corredor de áreas protegidas do Pará ao Acre que visa estancar o avanço da soja e de madeireiras na maior floresta tropical do mundo.

As duas iniciativas têm como objetivo ordenar milhões de hectares da Amazônia, onde 75% das terras são públicas e boa parte é um faroeste sem lei, e fomentar atividades produtivas sustentáveis.

No centro da discussão estão duas rodovias, BR-319 e BR-163. Defendidas por produtores sob o argumento logístico e da integração com o resto do Brasil, elas são criticadas por ecologistas dados os desequilíbrios socioambientais que normalmente as seguem.

O caso mais adiantado e que servirá como modelo para projetos futuros é o da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). No entorno da estrada, o governo criou unidades de conservação de proteção integral, que proíbem atividades humanas, e florestas estaduais, que permitem o manejo. Falta agora coordenar a exploração. Segundo Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, o governo faz os últimos ajustes para conceder ao setor privado 9 milhões de hectares para exploração no raio de 100 quilômetros para cada lado da estrada. "Esperamos gerar benefícios socioeconômicos para a população local através da vocação da floresta, no caso, a extração de madeira."

Ao criar planos de manejo, o governo pretende ordenar uma atividade feita há décadas à revelia da lei e, assim, evitar o desmatamento desenfreado comum em áreas de desenvolvimento criadas quando o asfalto corta a selva. Estima-se que o número de empregos pule de 18 mil para 100 mil na região.

Com quase 1.800 quilômetros, a BR-163 tem metade do trecho de terra e sofre pressão dos sojicultores pela pavimentação completa. A rodovia é vista como estratégica para o escoamento de grãos do Mato Grosso. Em 2003, a Cargill inaugurou seu terminal de soja em Santarém, cidade portuária do Pará, elevando ainda mais a pressão.

O mesmo risco de desmatamento e ocupação humana se dá na BR-319, que une as capitais Porto Velho (RO) e Manaus (AM). O Ministério do Meio Ambiente quer criar uma zona com áreas protegidas nos moldes do que foi feito com a BR-163. Esse distrito engloba partes do Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso e está atualmente na fase de desenho do seu perímetro.

O entorno da BR-319 é particulamente aguardado pelos ambientalistas porque a implementação de suas unidades de conservação fecha o chamado "muro verde" da Amazônia, uma estratégia conjunta do governo e da sociedade civil para conter a soja e os madeireiros. Quando completo, o corredor terá quase 30 milhões de hectares consecutivos de áreas protegidas.

Mas se fecha o "muro", o distrito da BR-319 abre espaço para a exploração de quem inevitavelmente chegará e quem já está na região. E aí a discussão fica acalorada. "A idéia é transformar a maior parte daquele distrito em florestas estaduais de uso sustentável, o que é um objetivo explícito de submeter a região à ação madeireira", diz André Muggiati, do escritório de Manaus do Greenpeace. "Essas são florestas intactas, que nunca tiveram pressão madeireira", argumenta.

Apesar da crítica, o governo rebate que está se antecipando e tentando assegurar a preservação da floresta dando opções limitadas de sua exploração. Ao contrário do que ocorreu no Pará, onde a indústria e os garimpeiros chegaram antes. "Uma das nossa prioridades é reflorestar o distrito de Carajás", diz Azevedo, do Serviço Florestal. "O foco será a cadeia produtiva das siderúrgicas, segmento que recebeu R$ 800 milhões em multas por desmatamento ilegal". Segundo ele, a expectativa é de plantio de 1 milhão de hectares em dez anos.

Além do desmatamento, o Pará lidera o ranking de Estados que se utilizam de mão-de-obra escrava. Um levantamento divulgado no mês passado pelo Ministério do Trabalho e Emprego mostra que os Estados com mais trabalho escravo no país estão justamente no arco do desmatamento, onde a vegetação perde espaço para os empreendimentos agropecuários. O Pará lidera a lista com 35,5% dos casos.

Para o ministério, entre as atividades típicas nas quais os trabalhadores são submetidos a condições degradantes estão a derrubada da floresta nativa para a ampliação da pastagem e a limpeza dos terrenos para plantação de soja. (BB)