Título: Plano da UE aprofunda a integração econômica
Autor: Steinhauser , Gabriele
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2012, Interncional, p. A10

Autoridades europeias lançaram ontem um plano pelo qual governos da zona do euro gradualmente assumiriam responsabilidade pelas finanças uns dos outros. É o primeiro passo no que, já se espera, será um conflituoso caminho rumo à maior unificação do bloco.

O documento de sete páginas firmado por dirigentes da União Europeia (UE) lança ideias de longo alcance para aproximar mais as 17 economias da zona do euro. O objetivo é evitar uma repetição das crises gêmeas - a da rolagem da dívida soberana e a de liquidez do setor bancário - que colocaram em dúvida a sobrevivência da moeda comum.

A liderança europeia propôs a fiscalização dos bancos da região por um forte órgão supervisor e a autorização prévia de níveis de déficit orçamentário de cada nação pelo resto do bloco. O controle sobre os gastos nacionais seria necessário para o bloco avançar rumo à consolidação da dívida de todos os países do euro e reduzir o custo de financiamento de Estados vulneráveis, diz o documento. Uma ideia mencionada é a emissão de títulos conjuntos para rolar, e reduzir gradualmente, o montante da dívida que exceda 60% do produto interno bruto de um país.

O relatório, encomendado por dirigentes do bloco durante sua última reunião de cúpula, em maio, é vago sobre muitos assuntos e silencia sobre várias outras questões polêmicas. É, no entanto, o plano oficial mais concreto já proposto até aqui para estreitar os laços econômicos do bloco.

Várias das propostas - a emissão de dívida conjunta e o poder de veto sobre o orçamento de cada nação - fazem disparar alertas em muitos governos. Se todos os 27 líderes da União Europeia, ou pelo menos os da zona do euro, endossarem os princípios básicos do relatório na cúpula marcada para quinta e sexta-feira desta semana, a decisão vai deflagrar o que provavelmente será um longo período de queda de braço.

As propostas não foram descritas como uma resposta à atual crise do bloco; em vez disso, diz o relatório, seriam implementadas ao longo da próxima década. Isso deixa praticamente inalterada a estratégia para a crise presente - estratégia cujos pilares são a redução de orçamentos públicos e a reforma em mercados de trabalho e de produtos, além da ajuda de fundos de resgate. O medo é que os recursos desses fundos sejam pequenos para fazer frente à dívida da Espanha e da Itália, grandes economias hoje mergulhadas na crise.

O premiê da Itália, Mario Monti, afirmou que a reunião desta semana teria de produzir uma solução para conter o avanço da crise da dívida. Monti acrescentou que está disposto a ficar em Bruxelas até domingo para tentar produzir um acordo entre líderes europeus.

O primeiro-ministro italiano disse ainda que tal solução deveria ser concebida por um grupo amplo de países, não só as duas maiores economias da zona do euro. "Um acordo entre Alemanha e França é necessário, mas não suficiente", disse Monti ao Parlamento italiano.

A transferência de riscos e responsabilidades financeiras para o bloco europeu como um todo exigiria mudanças no tratado que rege a união e na constituição de cada país; em alguns, poderia exigir até um plebiscito. Ao mesmo tempo, provavelmente ampliaria a brecha entre os 17 países da união que usam o euro e os dez que têm moeda própria.

O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso - que trabalhou com outros altos funcionários da União Europeia para redigir o relatório, entre eles o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi -, disse que não avançar, ainda que em áreas contenciosas, não era uma opção no momento.

"Esta crise é a maior ameaça a tudo o que conquistamos com a construção da Europa nos últimos 60 anos", disse Barroso.

Uma dúvida a ser esclarecida esta semana é se dirigentes europeus estão dispostos a avançar em certos aspectos, como consolidar riscos e a supervisão de bancos, antes de partir para uma verdadeira união fiscal - o que provavelmente será muito mais difícil de implementar, tanto do ponto de vista jurídico como do político.

Para transferir o risco da insolvência de bancos do plano nacional para o europeu - e, com isso, evitar que instituições financeiras em crise afundem um país inteiro -, o relatório sugere que o fundo de resgate da zona do euro possa ser acionado se fundos de garantia de depósitos e de resolução se exaurirem. Em troca dessa divisão de riscos, um supervisor europeu - possivelmente o BCE, diz o relatório - teria poderes para intervir nos bancos antes que o problema atinja grandes proporções.

O relatório prevê transferência similar de poder, neste caso sobre os gastos de um país, em troca da coletivização do risco de dívidas soberanas. Aqui, a grande divergência é entre Alemanha, França e Itália. A França quer títulos lastreados pelo bloco todo primeiro; a Alemanha só está disposta a considerar a emissão de dívida comum se outros países derrubarem antes seus imensos déficits.

"Não vemos nenhum motivo para abrir mão [da soberania] se não houver progresso rumo a uma maior integração", disse o ministro francês de Assuntos Europeus, Bernard Cazeneuve, numa reunião em Luxemburgo, onde o relatório foi apresentado. O vice-ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Michael Link, retrucou: "Todo mundo tem o direito de colocar propostas na mesa. E é nosso direito rejeitá-las".

Segundo o relatório, tanto o déficit orçamentário como o nível de endividamento de cada país deviam ser definidos de comum acordo pelos Estados membros. Governos que esperem desrespeitar limites pré-acordados poderiam ser obrigados a mexer em planos de gastos.

Seria muito mais do que o sistema atual preconiza. Hoje, quem ultrapassa o limite de gastos pode ser sancionado, mas nem a comissão (o órgão executivo da união), nem outros países, têm controle prévio sobre orçamentos de cada país.

Uma vez adotados novos mecanismos de controle dos gastos nacionais, a emissão conjunta de dívida "poderia ser considerada", diz o relatório. O documento cita a possibilidade de emissão de dívida conjunta de curto prazo, as chamadas euronotas, bem como de um certo fundo de resgate de dívida, que reuniria dívidas nacionais que ultrapassem a marca dos 60% do PIB e derrubariam os excessos ao longo do tempo.

(Colaboraram Vanessa Mock, de Luxemburgo, Laurence Norman, de Bruxelas, e Giada Zampano, de Roma)