Título: Crédito corporativo e taxa de juros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2012, Opinião, p. A13

Uma parcela importante do Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação está relacionada ao nível de investimento privado, que se traduz no investimento em máquinas, instalações e desenvolvimento humano.

De maneira geral, a taxa de investimento privado no Brasil ao longo das últimas décadas tem sido significativamente inferior quando comparado a outras economias emergentes. Enquanto em países como a China a taxa de investimento superou 46% em 2011, no Brasil ainda não conseguimos romper a barreira dos 20%.

A manutenção das taxas em níveis internacionais torna viável o aumento do investimento privado, uma vez que com a menor remuneração dos títulos públicos a tendência é que a poupança privada migre aos poucos para títulos de dívida privada.

Uma migração em larga escala do mercado de títulos públicos para privados não acontecerá facilmente

Nesse ponto chegamos a um paradoxo. Se por um lado o novo patamar de taxas de juros cria condições para o desenvolvimento do crédito privado, por outro, a falta de um arcabouço institucional que permita emissões de instrumentos de dívida em larga escala restringe o acesso ao mercado de dívida corporativo a um pequeno grupo de empresas elegíveis.

Os entraves tributários, a indexação das emissões em taxas de curto prazo, a inexistência de um mercado secundário ativo, segurança jurídica ao credor/investidor e os altos custos relacionados à emissão, são componentes importantes do arcabouço vigente em nossa economia.

Ao comparamos o mercado de títulos públicos com o mercado de renda fixa privada a discrepância fica evidente. Em abril de 2012 o estoque da Dívida Federal Mobiliária Interna era de R$ 1.794,71 bilhão. Por outro lado quando somamos os estoques dos principais instrumentos de dívida privada de longo prazo, tais como debêntures, títulos imobiliários, títulos do agronegócio e fundos estruturados (direitos creditórios / imobiliário/ participações), chegamos a um volume total de aproximadamente R$ 700 bilhões. Ou seja, o mercado de títulos públicos ainda é muito maior. É bem verdade que tal fenômeno conhecido como "crowding-out" já foi muito mais intenso. Em 2007 os títulos públicos correspondiam a 89% de toda renda fixa nacional.

Os números acima evidenciam que uma migração em larga escala do mercado de títulos públicos para privados não acontecerá facilmente, simplesmente pelo fato de que o mercado de crédito privado ainda não é capaz de absorver a demanda dos investidores que buscam manter seus níveis de retorno. Não existem emissores nem ativos suficientes.

Isso fica claro quando observamos as emissões de debêntures. Até abril de 2012 o volume total de emissões de debêntures registrados na CVM foi em torno de R$ 37 bilhões, considerando Debêntures com Esforços Restritos, onde emissões de empresas de leasing corresponderam a 54% de todo valor emitido, isto é, apenas R$ 17 bilhões se destinaram efetivamente ao financiamento corporativo.

Como alternativa ao mercado de capitais de renda fixa, surge naturalmente o financiamento via mercado financeiro. Contudo, tanto a teoria de finanças corporativas como as evidências empíricas observadas nos mercados desenvolvidos mostram que existe uma espécie de hierarquia no financiamento das corporações. Ou seja, em mercados eficientes, as corporações quando não conseguem financiar seus projetos com recursos próprios, recorrem em primeiro lugar, ao mercado de capitais por meio de títulos de renda fixa, em uma segunda estância lançam mão de emissão secundária de ações, mas somente como último recurso financiam projetos de longo prazo via o mercado financeiro tradicional.

Aproximamos-nos, portanto de um importante ponto de convergência. Por um lado, as empresas precisam investir em projetos que as tornem competitivas em um ambiente de crescimento econômico, e na outra ponta os investidores demandam investimentos seguros, com retornos maiores do que os títulos públicos deverão apresentar em um cenário de taxas de juros menores. No entanto, sem um mercado de crédito corporativo desenvolvido e fluido essas duas pontas nunca se encontrão.

Apesar das evoluções recentes, muito há por ser feito para que de fato tenhamos uma ampliação no número de emissores e que empresas do chamado "middle market" realmente entrem no jogo. São milhares de empresas que hoje já acessam o comércio internacional e, no entanto ainda não participam do mercado de capitais de dívida.

Outro componente importante na evolução dos mercados de crédito privado são os derivativos de crédito. A despeito dos veículos de securitização de créditos duvidosos terem sido os principais instrumentos de disseminação da crise, o derivativo de crédito, por ter sido largamente utilizado como mecanismo de transferência de risco levou a fama de ser um instrumento perigoso. Na verdade, os próprios derivativos de crédito desempenharam papel importante na recuperação dos mercados devastados pela crise. O fato é, que no Brasil onde temos uma infraestrutura de mercado extremamente eficiente e transparente e uma regulação prudencial sólida e avançada, os derivativos de crédito poderiam desempenhar um papel importante na catalisação do mercado de crédito.

Enfim, se o desenvolvimento desse mercado era importante pelo lado do investimento privado, agora se torna imprescindível também pelo lado do investidor.

É vital, portanto, que todos agentes se concentrem no desenvolvimento do mercado de dívida. É fundamental olharmos o mercado de renda fixa privada como um importante agente de desenvolvimento do país.

Jorge Sant"Anna, engenheiro pós-graduado em administração de empresas, é o head de reengenharia e gestão de despesas do Citibank no Brasil.