Título: Oportunidades para todos
Autor: Zaparolli, Domingos
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, Caderno Especial, p. F1

O setor de serviços é a atividade que mais agrega novos micro e pequenos empresários. São micro ou pequenas 96,3% das empresas formais dos serviços não financeiros no país. Elas respondem por 19,3% das receitas operacionais do setor, 39,7% dos empregos e 24% dos salários, segundo dados do IBGE.

Serviços é o setor de atividades que apresenta o maior número de abertura de estabelecimentos entre as micro e pequenas empresas, na casa de 20% ao ano. Esta forte expansão é impulsionada por dois movimentos, observa o economista do Sebrae Marco Aurélio Bedê.

O primeiro é a busca de melhor qualidade de vida por parte da população, fato que abre inúmeras possibilidades para estabelecimentos voltados a serviços pessoais, como escolas, academias de ginástica, clínicas estéticas e de saúde, serviços de hotelaria e alimentação fora do lar.

O outro movimento está diretamente relacionado ao mundo corporativo. Para obter maior competitividade, um grande número de empresas adota a estratégia de concentrar esforços em seus negócios principais, abrindo espaço para a terceirização de diversas atividades de apoio, como recursos humanos, alimentação, desenvolvimento de software, limpeza, segurança, transportes, manutenção, contabilidade, engenharia e comunicação.

"A expansão do setor reflete uma grande demanda da sociedade por serviços nos mais diversos segmentos de negócios", diz Bedê.

Mas, se o ritmo de abertura de micro e pequenas empresas de serviços é grande, também é mais alto que a média o índice de mortalidade entre elas, na casa dos 14% ao ano, conforme o IBGE. O desafio dos pequenos empresários do setor é manter ativos os seus negócios.

Nesta tarefa, eles têm uma desvantagem. Os empresários de serviços são os menos favorecidos por políticas públicas de incentivos. São poucos os estabelecimentos do setor que se enquadram nas regras de tributação diferenciadas voltadas para pequenas empresas, o Simples. Estão neste grupo lotéricas, auto-escolas, escolas de ensino básico, restaurantes, salões de beleza, lavanderias e oficinas mecânicas.

A boa notícia é que essa desvantagem começa a diminuir. A Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas aprovada no início de setembro na Câmara dos Deputados e que agora tramita no Senado amplia a participação do setor de serviços no regime tributário diferenciado, incluindo empresas de construção civil, contabilidade, informática, imobiliárias e escolas de idioma.

Mas a nova legislação continua a discriminar uma parcela significativa de empresas do setor. Não estão contempladas com o benefício, por exemplo, as empresas prestadoras de serviços de limpeza, conservação e vigilância, locadoras, agências de automóveis, empresas de energia e a maioria dos profissionais liberais.

O Ministério da Fazenda alegou durante a tramitação do projeto na Câmara que apenas a inclusão dos profissionais liberais no Simples acarretaria uma perda anual de R$ 1,3 bilhão em arrecadação para municípios, Estados e União.

"A Lei Geral é boa, mas extremamente injusta com quem ficou de fora. Afinal, todos os pequenos empresários têm dificuldade de sobreviver com a carga tributária atual. Quais são os critérios para a exclusão de atividades?", questiona Paulo Lofreta, presidente da Associação Brasileira de Apoio ao Setor de Serviços (Abrasse).

A expectativa é que a Lei Geral entre em vigor a partir de janeiro de 2007. Seu principal benefício é ampliar o sistema simplificado de tributação. Hoje ele incide apenas sobre impostos federais (IRPJ, IPI, CSLL, PIS/Pasep, Cofins e INSS patronal).

O Supersimples, como foi apelidado, englobará também o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), além de contribuições para as entidades de serviço social e formação profissional vinculadas ao sistema sindical. A tributação vai variar de acordo com o faturamento das empresas em 22 faixas que vão de 4% a 11,61% de impostos.

O projeto também aumenta de R$ 1,2 milhão para R$ 2,4 milhões anuais o teto de faturamento para as empresas se enquadrarem no regime tributário.

Entre os beneficiados, o Supersimples foi muito bem recebido. "Hoje a informalidade é imposta ao nosso setor. A nova legislação abre o caminho para a formalização dos pequenos empresários", diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

Solmucci avalia que mais de 90% das empresas do setor praticam algum tipo de informalidade em suas atividades e 50% estão na informalidade total. Com o Supersimples, ele acredita que a legalização da atividade passe a ser vantajosa para os pequenos empresários, uma vez que a informalidade também tem custos, como a perda, muitas vezes por roubo, de mercadorias gerada pela falta de mecanismos de controle do negócio. "Calcula-se esse prejuízo em 10% a 15% do faturamento. Esse percentual é maior do que a nova carga tributária do setor", diz o executivo.

As dificuldades dos pequenos empresários do setor de serviços não se limitam às questões tributárias. Outro desafio é estabelecer um adequado plano de negócios. O professor da FGV Fernando Mindlin Serson, sócio-diretor da consultoria Ques, especializada no setor de serviços, avalia que o pequeno empreendedor é movido, em sua grande maioria, pela necessidade e pela oportunidade. Abre sua empresa sem definir uma estratégia de negócios, atitude que acaba se provando fatal para o futuro do empreendimento.

Um exemplo está no comportamento de funcionários de grandes empresas que são incentivados a constituir negócios próprios e prestar serviços terceirizados para seus ex-empregadores. "Quando perdem esses contratos iniciais, eles quebram", diz o consultor.

Levantamento do Sebrae entre pequenos empresários que fecharam seus negócios comprova a ocorrência. A perda do cliente único é o motivo de encerramento de 4% das micro e pequenas empresas, sendo que a falta de clientes motiva 19% dos insucessos.

Fernando Serson associa a longevidade da empresa à capacidade do empreendedor em definir seu público alvo e estabelecer metas para encantá-lo. "A qualidade do produto e do atendimento é fundamental para o pequeno prestador de serviços, uma vez que ele depende da propaganda boca-a-boca para prosperar", diz o consultor.

A capacidade de aperfeiçoar e agregar valor aos produtos oferecidos também é decisiva. Estatística do Sebrae aponta que 85% das pequenas empresas que seguem esses preceitos continuam em atividade após cinco anos de atividade. É quase o dobro da média, uma vez que apenas 44% das pequenas empresas sobrevivem após este período.

Segundo Marco Aurélio Bedê, os empreendedores do setor de serviços começam a despertar para esta realidade, com a oferta de produtos mais sofisticados. Esta tendência, avalia o economista, pode ser notada com o surgimento de empresas voltadas a nichos específicos de públicos, como academias de ginástica para mulheres, clínicas especializadas em idosos ou bares para solteiros.

"O pequeno empreendedor não pode competir com o grande em preço, uma vez que não tem escala. Mas pode se destacar com a oferta de produtos personalizados", afirma Bedê.

Uma característica do setor de serviços é sua concentração nos grandes centros urbanos. Apenas a cidade de São Paulo, por exemplo, abriga 42% das micro e pequenas empresas paulistas de serviços. As médias cidades, tudo indica, são a próxima fronteira de expansão do setor.

São dados como esse que fazem Paulo Lofreta apostar que o setor de serviços continuará sendo o de maior crescimento entre as micro e pequenas empresas. "A demanda por serviços é cada vez maior na sociedade", diz o executivo. É o que ocorre no segmento de alimentação fora do lar, que reúne 32,8% do total dos pequenos negócios de serviços e 30,8% da receita operacional, segundo o IBGE.

Atualmente, 25% dos gastos dos brasileiros com alimentação se dão fora de casa e este índice aumenta um ponto percentual por ano. O horizonte com o qual trabalham os empresários do setor indica que, até 2025, 40% dos gastos de alimentação serão feitos desta forma.

Nos Estados Unidos e na Europa, a marca dos 40% já foi superada. E, em cidades como Brasília e Rio de Janeiro, este percentual está próximo de ser alcançado. Nestas cidades, os gastos são de 37% e 32%, respectivamente. "As oportunidades para os novos empreendimentos ainda estão longe de se esgotar", diz Paulo Solmucci.