Título: A paciência estratégica está esgotada e deve ser revista
Autor: Arslanian , Regis
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2012, Opinião, p. A16

Hoje, nossas questões de comércio com a Argentina estão à beira de um contencioso comercial. Isso, ironicamente, com um país vizinho, com quem temos uma relação privilegiada, e que faz parte do Mercosul. As dificuldades que enfrentamos com o protecionismo argentino assumiram, ultimamente, um grau de arbitrariedade que ultrapassa o limite tolerável.

Não se vislumbra indício de que a Argentina possa abdicar de suas barreiras comerciais. Elas fazem parte de uma política de Estado, mais voltada para a sustentabilidade financeira do país do que ao propalado empenho em substituir importações.

O fulcro do problema está em fechar o balanço de pagamentos com um superávit do comércio, que não poderá, no fim deste ano, ser inferior a US$ 9 bilhões, cifra necessária para repor as reservas internacionais, erodidas pelo pagamento da dívida pública e pela fuga maciça de capitais. O risco é a reedição da moratória de 2001, que até hoje priva o país do acesso aos mercados financeiros internacionais.

Devemos, de maneira clara, comunicar aos argentinos que não hesitaremos em ampliar represálias comerciais

Sempre se disse que a relação com a Argentina deve ser pautada pela "paciência estratégica". Hoje, ela se revela ineficaz e mesmo contraproducente. Já é hora de mudarmos nossa postura. A paciência estratégica deve dar lugar a uma atitude mais firme e, ao mesmo tempo, criativa.

O governo argentino não teme escancarar seu protecionismo. O secretário Guillermo Moreno não faz uso de meias palavras para definir seu papel de guardião da produção argentina contra as importações. Não busca sequer distinguir o Brasil com um tratamento diferenciado. Os resultados são eloquentes: nos primeiros meses deste ano, verificou-se uma queda de nossas exportações para a Argentina de 27%.

A Argentina é nosso terceiro maior parceiro comercial. No ano passado, 93% do total de nossas vendas para Argentina foram de manufaturados. De 1991 até 2011, nossas exportações aumentaram quase 4.000%.

É preciso, e com urgência, buscar soluções que assegurem o restabelecimento regular e fluido das nossas correntes exportadoras, sem subestimar a necessidade de ajudá-los a fechar suas contas externas. A deterioração de sua economia geraria maiores empecilhos para nossas exportações e ameaçaria nossos amplos interesses naquele mercado. Ricardo Nogueira/Folhapress / Ricardo Nogueira/Folhapress

O Brasil já tomou medidas setoriais de reciprocidade contra a parafernália de obstáculos argentinos às importações. Mas falta ao governo de Brasília ser mais explícito e incisivo em sua mensagem de inconformidade. Pelo perfil do comércio, somos o parceiro da Argentina que detém a maior capacidade de persuasão negociadora. Apesar disso, fica sempre a percepção de que não fazemos uso dela tanto quanto poderíamos.

Devemos, de maneira clara, comunicar aos argentinos que não hesitaremos em ampliar as represálias comerciais. É o caso de demonstrar que, a persistirem suas barreiras, enveredaremos por um caminho perigoso, em que ambos teremos muito a perder, mas que os prejuízos serão fatalmente mais pesados para eles.

Não se trata de condenar politicamente a Argentina, nem expor sua credibilidade publicamente, mas de mostrar que suas medidas são inaceitáveis, além de ilegais e não condizentes com o Mercosul. Tais manifestações deveriam ser veiculadas pelo Governo, de maneira aberta e transparente. O empresariado brasileiro se veria, assim, mais respaldado para unir esforços com os negociadores do Brasil.

As medidas restritivas argentinas valem para todos, mas sua aplicação é discricionária. Chega a ser escandaloso que nossos produtos recebam o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, aos produtos chineses. Somos o primeiro parceiro comercial da Argentina e pertencemos a uma mesma união aduaneira. Nossos produtos deveriam contar com um tratamento especial, pelo qual, através de uma espécie de "canal verde", se estipularia prazo máximo para o cumprimento de todos os requisitos de liberação das mercadorias importadas do Brasil.

Em troca desse entendimento, nos comprometeríamos a reduzir o déficit comercial argentino (US$ 5,8 bilhões, em 2011). Governo e empresariado buscariam identificar produtos de nossa pauta importadora de extra-zona cujas compras poderiam ser redirecionadas em favor da Argentina.

Não se justifica que, do valor global importado pelo Brasil de US$ 226 bilhões em 2011, não possamos utilizar US$ 5,8 bilhões (2,5%) daquele total para priorizar importações da Argentina. Invalidaríamos, de vez, seu argumento de que o déficit comercial com o Brasil é responsável pela erosão de 65% de sua principal fonte de divisas para fechar suas contas externas. Também anularíamos sua tese de que o equilíbrio no comércio só pode ser alcançado pela redução de nossas vendas. Aqui, se trataria de comprar mais da Argentina e pouco menos de terceiros países, de forma a assegurar nossos patamares atuais de exportações, e até elevá-los, através de um comércio equilibrado e ampliado.

Quanto ao controle de divisas do governo argentino, os operadores comerciais deveriam ser incentivados a fazer maior uso do Sistema de Moedas Locais do Mercosul, pelo qual as operações comerciais podem ser liquidadas junto aos bancos centrais nas respectivas moedas locais, sem necessidade de requisitar divisas. Esse sistema está em funcionamento desde 2008.

Devemos abandonar de vez a postura da "paciência estratégica", mesmo porque ela por si encerra a noção de passividade. A situação exige uma ação proativa e urgente, com uma atitude de firmeza inequívoca. Não é de nosso interesse a deterioração de sua economia. Continuar insistindo na remoção pontual ou na negociação caso a caso das barreiras argentinas não nos levará a lugar nenhum.

A mensagem principal a ser passada aos argentinos pelo governo brasileiro, e também pelo setor empresarial, é que estamos empenhados em fazer parte da solução e não do problema que enfrentam, mas que cada lado deve cumprir sua parte. Só assim poderá prevalecer uma relação de confiança no comércio entre os dois países.

Regis Arslanian foi embaixador do Brasil no Mercosul e na Aladi e é sócio sênior da GO Associados