Título: Tijolo rentável
Autor: Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2006, EU & Investimentos, p. D1

O pacote imobiliário anunciado pelo governo no dia 12 colocou os holofotes sobre as ações do setor e de empresas ligadas à cadeia da construção civil. De lá para cá, papéis como Company, Cyrela e Duratex tiveram ganhos muito superiores aos do Ibovespa - que caiu 1,6% - , com Company à frente, com valorização de 13,4%. Embora as medidas não tenham impacto imediato nos resultados das companhias nem no ritmo de lançamentos de imóveis, a percepção é de que o empurrão junta a fome com a vontade de comer, tamanho é o déficit habitacional no Brasil.

"O pacote trouxe certo charme para as ações do setor e os gestores resolveram colocar esses papéis nos seus fundos ou aumentar a participação", diz o diretor da Prosper Gestão de Recursos Júlio Martins. Mais do que o incentivo governamental, o pano de fundo para o setor de construção civil decolar no país tem de ser dado pelo aumento da renda da população, mecanismos de crédito acessíveis e juros mais baixos, ressalva Marcelo Aranha, da Fator Corretora.

É esse ambiente que começa a ser vislumbrado e que tem justificado os múltiplos elevados com que as ações do segmento vêm sendo negociadas na Bovespa. Pela base de dados da Thomson One Analytics, as incorporadoras Rossi, Gafisa e Cyrela têm, por exemplo, um índice Preço/Lucro - P/L, a relação entre o valor da ação e o resultado e que dá uma idéia do prazo de retorno do investimento - acima de 20 anos, mais do que o dobro da média do mercado brasileiro.

"O crédito imobiliário representa menos de 5% do PIB e a expectativa é de que essa proporção dobre em poucos anos", diz o professor de Finanças da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Paschoarelli. "E, se há crédito mais abundante, aumenta o nível de atividade de incorporadoras, construtoras e fornecedoras de produtos para esse mercado."

Trata-se, porém, de um setor historicamente arriscado no Brasil, sempre à mercê dos "stop and go" da economia, e o investidor tem de estar ciente disso. Mas para quem pensa nos papéis como alternativa de longo prazo, o momento pode ser agora. Só do ano passado para cá é que as construtoras passaram a levantar recursos via mercado, conseguindo se capitalizar de forma mais barata. E algumas das medidas do pacote têm o caráter de melhorar a saúde financeira das empresas.

"O ponto relevante é o financiamento direto com o BNDES", destaca o analista da Bradesco Corretora Alexandre Turrano, referindo-se aos recursos disponíveis para projetos de pesquisa e inovação na construção civil. A possibilidade de os bancos concederem crédito para o imóvel já na planta também tira esse peso do colo das construtoras, que ficavam dependentes do valor de entrada paga pelos mutuários para tocar os lançamentos.

Mas outras medidas previstas no pacote sequer estão regulamentadas, caso do crédito consignado ou o uso facultativo da TR. Se optarem pelos juros prefixados, os bancos ainda assim usarão a TR anualizada como base de cálculo e essa metodologia deve ser aprovada hoje pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Com a volatilidade dos preços das commodities, os analistas passaram a privilegiar ações mais expostas ao crescimento da economia local nas suas indicações e as da construção civil estão entre elas. Essa é uma das apostas do Banco Pactual, que recomenda Rossi. "A empresa está bem posicionada e vem sendo negociada com um desconto grande em relação às demais", diz o analista Pedro Batista.

Gafisa e Rossi foram alguns dos papéis responsáveis pela boa performance do fundo de "small caps" (de empresas de baixa capitalização na bolsa e menor liquidez), da Safra Asset Management, em agosto (9,07%) e nesse início de setembro (quase 3%), conta o diretor Carlos Alberto Torres de Melo. "O pacote imobiliário foi, de certa forma, antecipado pelo mercado."

O setor de construção civil, praticamente inexistente na Bovespa há menos de um ano, ganhou representatividade num espaço curto de tempo e mais empresas estão por vir, como a Klabin Segall , que começa a ser negociada no Novo Mercado em 9 de outubro. Em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) há outras operações na fila, como a da Brascan Residential e da São Carlos Empreendimentos.

No curto prazo, o maior número de ativos disponíveis pode fazer a liquidez migrar dos papéis já existentes para os novos, alerta o gerente de análise da Modal Asset, Eduardo Roche. "É um setor muito ligado ao fluxo do capital externo, que levou boa parte das ações em ofertas públicas, e esse é um fator de volatilidade." Ele indica principalmente Rossi, Cyrela e Gafisa, que têm selado parcerias fora do eixo Rio São Paulo para ganhar escala. Na cadeia da construção, Aranha, da Fator ainda inclui Duratex e as fabricantes de aços longos Gerdau e Arcelor Brasil.