Título: O investimento brasileiro no exterior é recorde
Autor: Barros, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2007, Opinião, p. A11

O Brasil continua crescendo pouco, e a nossa taxa de investimento (a preços constantes) ainda é inferior à do início da década passada. Entretanto, os investimentos brasileiros no exterior são recordes. No ano passado, até novembro, saíram US$ 24,9 bilhões, o maior número de todos os tempos. Apenas para comparar, este número é maior que todas as liberações feitas pelo BNDES em 2006, que atingiram R$ 52,3 bilhões. Pela primeira vez a conta de investimento direto ficou negativa: o que saiu do Brasil superou largamente o que entrou, resultando num saldo negativo de US$ 8,6 bilhões. Apenas a compra da canadense Inco pela Vale do Rio Doce implicou numa remessa de US$ 13,7 bilhões.

Entre 2004 e 2006 a média do investimento brasileiro no exterior foi de US$ 12,4 bilhões, contra US$ 1,67 nos três anos anteriores. Pode-se também destacar o investimento da Ambev em 2004, da ordem de US$ 4,9 bilhões.

Não há dúvidas que estamos falando de uma nova tendência na economia brasileira, importante de ser analisada e entendida. Basta pensar que se a proposta feita pela CSN de aquisição da Corus vencer a da indiana Tata, o ano de 2007 começará com um investimento de quase US$ 10 bilhões. Nos últimos três anos, catalogamos mais de setenta empresas brasileiras que começaram a se mover para o exterior, algumas de forma bastante agressiva. Mesmo empresas médias começam a participar do processo: por exemplo, este jornal noticiou recentemente que a Olsen, uma empresa catarinense de porte médio que fabrica equipamentos médicos e odontológicos, vai se instalar neste ano nos Estados Unidos, inicialmente com um escritório e logo em seguida montando uma fábrica.

Entretanto, antes de prosseguir vale a pena esclarecer que não estamos aqui olhando a questão do ponto de vista do fluxo cambial, onde o investimento direto líquido não tem sido particularmente importante (ao contrário do fim dos anos 90), e porque muitas operações, como a da Vale, são cobertas por concessão de crédito no exterior. Outras, como a da Ambev, representam uma troca de ações, sem impacto cambial. Estamos neste artigo olhando a questão do ponto de vista macro, da taxa de investimento da economia e do ponto de vista micro, da internacionalização das empresas brasileiras. Neste último ponto, o investimento no exterior representa uma terceira fase do processo, que vem depois da internacionalização das vendas, via exportações, e é concomitante à internacionalização dos suprimentos, via importações de partes, peças, conjuntos, máquinas e produtos finais. Por que as empresas hoje investem tanto lá fora?

Acredito que a resposta comporte pelo menos sete partes: em primeiro lugar, muitos investimentos são feitos para dar suporte às exportações. De fato, a partir de certos volumes, as empresas começam a montar escritórios fixos de representação, centros de distribuição, assistência técnica etc. Entre outros, este é o caso da Embraer e da Fras-le.

-------------------------------------------------------------------------------- Em muitos casos, investimentos de empresas do Brasil lá fora buscam compensar perdas de competitividade, e não só as decorrentes de câmbio e juros --------------------------------------------------------------------------------

Em segundo lugar, algumas vezes o fornecedor tem que investir para ficar perto do seu cliente, como é o caso do setor automotivo. O caso mais conhecido aqui é o da Sabó, que há vários anos tem plantas na Áustria, Hungria e Alemanha, além de inúmeros escritórios ao redor do mundo. Outro caso de proximidade do comprador é o da Marco Pólo; neste caso, entretanto, também tem relevância a questão tratada no último item, de compensação pela perda da competitividade do Brasil. A Randon vai pelo mesmo caminho.

Em terceiro lugar, vem o esgotamento das oportunidades apresentadas pelo mercado interno: quando a participação no mercado local começa a bater em certos limites (inclusive aqueles sinalizados pelo Cade), a solução é partir para o exterior. Este é claramente o caso já mencionado da Ambev; também é o que explica os investimentos na área de cimento na América do Norte, do grupo Votorantim e vários outros. É claro que o medíocre crescimento recente da economia brasileira acelera este movimento em inúmeros setores, além do de cimento, como na construção pesada, gestão de estradas etc.

Em outros casos, a mola impulsora é a redução de risco e do custo de capital. O caso mais claro aqui é o da Vale do Rio Doce: para crescer e competir a companhia necessitava de grandes volumes de recursos a custos baixos, o que só podia ocorrer no mercado internacional. Entretanto, o mercado avaliava que a forte concentração de ativos num único país representava risco (algo parecido com o caso Anglo American e África do Sul), o que levou a importantes investimentos no exterior. Com a diversificação de base de ativos, o custo do capital caiu e o múltiplo da companhia subiu.

Uma quinta razão para investir no exterior decorre da necessidade de pular barreiras comerciais. O fiasco da lamentável política do Itamaraty nos últimos anos agravou o quadro. É o que explica investimentos em plantas de desidratação de álcool no Caribe, dos projetos têxteis no Chile e na América Central, de plantas no México (WEG, por exemplo), todos buscando acesso preferencial ao mercado americano. É também o caso de investimentos no setor de aço nos Estados Unidos (Gerdau, CSN, Vale). Em alguns casos a busca do acesso a mercados é reforçada pela necessidade de reposicionamento das empresas frente a uma reestruturação global da indústria. Certamente este é o caso dos setores têxtil e de aço.

Finalmente, e esta razão tem tido importância crescente, em muitos casos os investimentos buscam compensar perdas de competitividade da produção nacional. Esta vai além da questão do câmbio e dos juros, incluindo os crescentes custos tributários, trabalhistas, a deterioração contínua da infraestrutura, a má regulação etc. Muitos projetos de investimento no exterior buscam lidar com esta situação, ou gerando suprimentos para as plantas no Brasil ou mantendo os contratos de exportação, só que a partir de novas bases produtivas. Este reposicionamento melhora o projeto e a performance de muitas empresas e, como tal é muito bem-vindo; entretanto, do ponto de vista macro, a taxa de investimento do país e o PIB potencial crescem muito menos que de outra forma seria possível.

José Roberto Mendonça de Barros é economista da MB Associados. Escreve mensalmente às quintas-feiras.