Título: Empresários unem forças para garantir qualidade no ensino
Autor: Wilner, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2006, Caderno Especial, p. F3

Depois de as causas ambientais terem dominado os debates sobre responsabilidade social nas últimas duas décadas, a educação parece agora estar ocupando o topo da agenda de empresários, líderes do Terceiro Setor, acadêmicos e gestores públicos. O lançamento do "Compromisso Todos Pela Educação", dia 6 de setembro, reuniu a elite do PIB brasileiro no Museu do Ipiranga, em São Paulo, para seu primeiro "grito" por um ensino de melhor qualidade. Estavam lá, entre outros, Márcio Cypriano, do Bradesco, Roberto Setúbal, do Itaú, José Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, Ana Maria Diniz, do Pão de Açúcar e Jorge Gerdau, do grupo Gerdau, além do ministro da Educação, Fernando Haddad. "Se quisermos fazer um país competitivo, precisamos melhorar a educação", diz Gerdau, presidente do conselho do movimento. "Estrutura nós temos, é preciso gerenciá-la melhor.", disse. "A descontinuidade é o que custa mais caro ao país. Esse movimento pretende começar a promover uma continuidade", afirmou o presidente da Fundação Roberto Marinho.

Depois de um ano de pesquisas e discussões, as mais de 80 lideranças e especialistas em educação que participaram do movimento chegaram a cinco metas a serem atingidas até o ano 2022, bicentenário da Independência do Brasil. "Elas se relacionam ao ingresso, permanência e sucesso do aluno", diz Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna e coordenadora do comitê técnico.

O ingresso não é mais problema, pois a educação pública básica é praticamente 100% acessível à população. No entanto, o percentual de alunos reprovados ou que abandonam a escola a cada ano situa-se em nível elevado, de quase 30%. Em média, cada criança leva dois anos para completar uma série. Somente 3,4% dos estudantes cursam da 1ª à 8ª série em oito anos. "Imagine se fosse uma empresa: com 30% de reprovação já na entrada da esteira de produção e só 3% dos produtos saindo no tempo previsto, ela fecharia as suas portas em menos de um mês", compara Viviane .

Com o compromisso, deseja-se que, por exemplo, 80% das crianças completem o ensino fundamental até os 16 anos (hoje esse percentual é de 48%) e 70% terminem o ensino médio até os 19 anos (hoje esse índice é de 36%) Não só: pretende-se garantir que pelo menos 60% dos alunos aprendam o que é apropriado para a sua série (hoje apenas 25% dos alunos alcançam nível adequado em língua portuguesa e 10% em matemática). "Não adianta concluir o ensino sem de fato aprender", diz Viviane.

Como mostram os exames nacionais aplicados nas escolas públicas, mais da metade dos que cursam a 4ª série tem desempenho crítico ou muito crítico. "Isso significa que eles não conseguem nem ler as horas em um relógio digital", afirma Naércio Aquino Menezes Filho, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, Ibmec-SP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil. Nos exames internacionais, os estudantes brasileiros têm ficado na lanterninha. Em 2003, em prova com a participação de alunos de 15 anos de idade de 41 países, o Brasil ficou em último lugar em matemática, penúltimo em ciências e se colocou à frente de só três países em leitura.

As metas são ambiciosas, mas, mesmo que se consiga alcançá-las, o Brasil não vai se tornar um líder em formação educacional. "Será um país mediano", diz Creso Franco, professor do departamento de educação da PUC-RJ que ajudou a definir os objetivos.

Mesmo assim, o avanço é considerável. "Se tivéssemos feito o compromisso há 16 anos e atingíssemos as metas, estaríamos hoje 28% maiores economicamente, sem mexer no resto dos nossos problemas", calcula Luís Norberto Paschoal, presidente da DPachoal e da Fundação Educar.

E como fazer para que os objetivos sejam alcançados? De acordo com as lideranças do movimento, vai ser preciso traduzir as metas para cada Estado, cidade e escola, de forma a que cada comunidade possa acompanhar, ano a ano, a evolução de seu entorno. Envolver pais, alunos, professores e o Estado, em todos os seus níveis, é outro desafio. O Ministério da Educação, bem como as instâncias estaduais e municipais, estão apoiando o compromisso. Empresas como Gerdau e DPaschoal estão montando campanhas internas para estimular seus funcionários a abraçar a causa. "Se todos nos sensibilizarmos, o compromisso está garantido", afirma o ministro Haddad.

Os empresários pretendem apoiar o compromisso não só com dinheiro, pois essa responsabilidade, acreditam, é principalmente do Estado, mas sim com um "choque de gestão". A maior parte dos programas apoiados pela iniciativa privada tem como enfoque capacitar os diretores, professores e outros envolvidos para administrar melhor os (parcos) recursos, implantando mudanças e medindo os resultados. A diferença, agora, é que as diversas empresas e fundações que trabalham com educação acreditam que possam sintonizar os seus programas em torno das metas.

Segundo o Grupo de Instituto Fundações e Empresas (Gife), entre as mais de 90 companhias associadas, 85% dos projetos, num montante anual que gira em torno de R$ 1 bilhão, destinam-se à educação. Mas não necessariamente à pura educação pública básica, cerne do movimento recém-lançado. "Se conseguirmos alinhar com as metas, vai ser sensacional", diz Hugo Barreto, presidente do Gife e secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.

"Acho importante que não se promova o marketing de uma empresa ou fundação e sim se pense na educação como uma política de Estado", pondera Maria Helena Guimarães de Castro, secretária de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo e uma das especialistas que ajudaram a elaborar as metas. Para a iniciativa privada atuar em larga escala, Castro defende que se planejem as ações, com uma divisão territorial, respeitando as vocações de cada empresa ou entidade. Por exemplo, enfocando nas 1000 escolas que tiveram pior desempenho no último exame nacional de qualificação dos alunos (Prova Brasil). "Sem uma estratégia clara, não vamos a lugar nenhum", defende. "Se pegássemos escolas nas cidades com os 1000 menores Índices de Desenvolvimento Humano, levantaríamos o nível de baixo para cima", idealiza Paschoal, da Fundação Educar.

Paschoal começou recentemente a trabalhar com escolas localizadas em 11 cidades com os piores IDHs, em Pernambuco. Foi um longo caminho até chegar à conclusão de que essa era a abordagem mais produtiva. O empresário começou há quase duas décadas com uma estrutura própria de ensino. "Há uns três anos, resolvemos mudar o enfoque: fechamos a nossa escola e, em vez de criar uma coisa paralela, fomos para dentro da escola pública", diz.

Para Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lehman, as entidades empresariais devem atuar junto ao Estado. "Geralmente, as empresas não gostam de entrar na escola pública. Agora é que estão acordando", avalia. A Fundação Lehman tem como um de seus principais projetos capacitar diretores de escolas públicas.

A administração da escola se perde na burocracia. "Aos poucos, eles percebem que a situação é tão grave que, com poucos recursos, já dá para fazer a diferença", avalia Beckskeházy. A Fundação Lehman só trabalha com escolas que aceitem uma avaliação de desempenho. Em sua edição de 2003/2004, o programa beneficiou 200 escolas e 100 mil alunos de São Paulo e Santa Catarina e a nota média das provas dos alunos de 4ª série, em língua portuguesa, aumentou 18%.

Ganhar escala é outro desafio que está na cabeça de quem participa do compromisso. A Microsoft, por exemplo, capacita gestores em 101 países, com 43 milhões de estudantes beneficiados. No Brasil, formaram 30 mil gestores, abrangendo 5,5 milhões de alunos. "Procuramos criar um programa de educação que possa ser replicado e, ao mesmo tempo, desenvolva a autonomia das lideranças locais", diz Ana Teresa Ralston, gerente de programas educacionais.

No Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), uma das ongs com maior tradição em educação, o próprio público-alvo faz a divulgação dos projetos. "São os jovens dos nossos programas que propõem e fazem as peças publicitárias", afirma Maria do Carmo Brant de Carvalho, diretora-geral da entidade. "É a melhor forma de envolvê-los".