Título: Campanha fundamentalista
Autor: Taffner, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 16/10/2010, Cidades, p. 35

Temas ligados à religião têm roubado a cena na disputa política. Líderes católico e protestante criticam uso oportunista da fé pelos candidatos

A pessoa em quem você pretende votar neste segundo turno é a favor ou contra o aborto, o casamento gay e o divórcio? E o que ela pensa sobre a pena de morte e a eutanásia? Agora, você sabe exatamente o que o candidato pode fazer sobre algum desses temas no cargo que pretende ocupar a partir do ano que vem? Praticamente nada, no caso do próximo governador do Distrito Federal. Mesmo assim, os assuntos religiosos têm entrado cada vez mais nas campanhas.

A pauta foi inserida pela primeira vez pela representante do PSC, Weslian Roriz. No primeiro debate em que participou, às vésperas do primeiro turno, ela questionou o concorrente Agnelo Queiroz (PT) sobre o aborto. Depois da surpresa, o médico petista afirmou ser contra a prática e a favor da vida. A partir de então, as discussões sobre os valores cristãos só têm aumentado. Para mostrar maior engajamento com as causas de Deus, cada candidato tem procurado se cercar de líderes religiosos e participar de missas e cultos.

Em seu programa eleitoral na TV, Agnelo vem reiterando ser contrário ao aborto. O objetivo é minar boatos espalhados por adversários de que ele e o PT seriam favoráveis à prática. Weslian Roriz também tem usado a propaganda gratuita para reforçar que é a favor da vida e da família. Seu programa chegou a exibir o vídeo de um padre de São Paulo contra o PT ¿ a pedido da campanha da presidenciável Dilma Rousseff (PT), a Justiça Eleitoral proibiu a exibição das imagens.

Na disputa por apoio dos religiosos, os dois candidatos destinam boa parte de suas agendas a encontros com fieis, líderes da Igreja Católica e pastores evangélicos. Ontem, por exemplo, o petista visitou uma paróquia de Sobradinho e encontrou-se com pastores na cidade. Weslian costuma frequentar missas ao lado do marido. Na semana passada, ela e Joaquim Roriz foram a Luziânia celebrar o aniversário da candidata.

O cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Mathieu Turgeon acredita que essa discussão surge, de uma forma geral no Brasil, com a percepção popular de que outros temas, como a economia, estão bem encaminhados. ¿Uma grande parcela da população brasileira é fundamentalista e acredita que o mais importante são os valores pessoais dos candidatos e não a capacidade administrativa de cada um¿, afirma. Essa nova dimensão tende a crescer, alerta o docente: ¿Os políticos entram nessa discussão porque é mais fácil alienar a base para conquistar os votos. Vale tudo para ganhar a eleição¿.

Propostas No último dia 12, o arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz ¿ durante a homilia na missa em homenagem à padroeira ¿, fez uma defesa da Lei da Ficha Limpa e criticou o aborto. Na cerimônia, estavam presentes Agnelo Queiroz e a esposa e o casal Roriz. No entanto, para o padre André Lima, assessor da Arquidiocese de Brasília, alguns candidatos vêm tratando os temas religiosos de forma ¿oportunista¿. ¿Essa polarização sobre quem é a favor ou contra as questões tem deturpado as temáticas¿, critica. Segundo ele, a Igreja Católica não aponta nomes a serem votados, mas critérios para balizar as escolhas dos fiéis. ¿O político precisa ter experiência administrativa, liderança e defender a vida. Não adianta ser contra o aborto e depois permitir que as crianças morram de fome por falta de políticas públicas¿, explica.

Tanto para o padre quanto para o pastor Euler de Oliveira, da Igreja Metodista, cristão não precisa votar em cristão. ¿O voto vai além da convicção religiosa. Temos de olhar a vida pregressa e as propostas de cada candidato para ver quem é o melhor. Ter de escolher uma pessoa só porque professa a mesma fé é um voto de cabresto¿, defende o pastor. Na opinião do religioso, a igreja deve fiscalizar os políticos, mas não pode ter vínculo partidário. ¿Não adianta fazer um candidato ao governo assinar um documento contra o aborto, porque a lei é feita no Congresso. Temos de aproveitar as campanhas para debater outras questões fundamentais, como o crack, que está invadindo e destruindo o DF.¿

¿BOMBARDEIO¿ A religião se tornou uma das maiores polêmicas da corrida presidencial. Dilma Rousseff (PT) vem tentando rebater intensa campanha negativa, espalhada pela internet, de que seria a favor do aborto. Ontem, a petista divulgou carta na qual afirma ser contra a prática e que vai defender a manutenção da legislação sobre o assunto. Bispos católicos e evangélicos também lançaram, na quinta-feira, manifesto em defesa da presidenciável contra o que chamaram de ¿bombardeio antiético¿. Por sua vez, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota, no dia 8, reafirmando que não indica nenhum candidato e que ¿a escolha é um ato livre de cada cidadão.¿

O VOTO DOS FIÉIS Pesquisa do Instituto CB Data divulgada na última quinta-feira pelo Correio Braziliense mostra as intenções de voto dos eleitores e suas respectivas crenças religiosas. Agnelo Queiroz (PT) se saiu melhor entre todos os que declararam professar alguma doutrina. Tanto para católicos quanto para evangélicos, o petista ficou com 51% da preferência, contra 36% e 33% (nessa ordem) de Weslian Roriz (PSC). Entre os espíritas, o candidato da chapa Um Novo Caminho teve a maior diferença: 78% a 13%, com 9% de votos brancos. Weslian foi apontada por 36% dos eleitores que se disseram praticantes de umbanda ou candomblé, mas aí também Agnelo seria vitorioso, com 56% das intenções de voto. O candidato do PT conquistou 53% dos votantes ateus ou sem religião. A do PSC, 26%.