Título: Saldo positivo no setor elétrico
Autor: Rondeau, Silas
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2007, Opinião, p. A10

Estudo divulgado recentemente por uma importante empresa de monitoramento do mercado de capitais verifica que a lucratividade do setor não-financeiro, entre 2003 e o primeiro semestre de 2006, obteve crescimento superior ao do setor bancário, na comparação com os quatro anos anteriores. Dois setores da economia real, segundo o levantamento, tiveram destaque nesses três anos e meio: o de petróleo e gás e o de energia elétrica.

Se nos debruçarmos especificamente sobre o setor de energia elétrica, vemos que, entre 1999 e 2002, o prejuízo acumulado pelas maiores empresas de geração e distribuição atingiu a cifra astronômica de R$ 17,8 bilhões. Em contrapartida, o estudo mostra que esse mesmo setor passou a um lucro de R$ 14,7 bilhões no governo Lula (contados até junho último) - ou seja, um crescimento de R$ 32,6 bilhões, ou de 182,7%.

Estes números refletem a grande metamorfose que a indústria de energia elétrica, nas suas mais diversas cadeias, passou desde 2003. O governo atual, quando de sua posse, encontrou um setor mergulhado em crise. As distribuidoras estavam em situação financeira difícil, fruto do racionamento e do elevado nível de endividamento. Os geradores se encontravam insatisfeitos com a perspectiva de um ambiente de sobre-oferta, decorrente do grande volume de energia descontratada naquele momento. As empresas comercializadoras eram mais uma promessa do que uma realidade, dada às reduzidas dimensões do ambiente de livre contratação. E os consumidores se encontravam profundamente irritados com a escassez recente a que estiveram submetidos e ao elevado preço da energia.

Foi em meio a este cenário que o governo atual assumiu o compromisso de montar um marco regulatório que fornecesse estabilidade ao setor, garantisse a expansão do suprimento e tarifas módicas para o consumidor. Tarefa esta que só teve sua execução possível graças à participação de todos os agentes setoriais.

Um dos elementos centrais do novo modelo são os leilões para a compra de energia. No modelo anterior, as distribuidoras podiam construir usinas termelétricas e comprar energia mais cara de si mesmo, com autorização de repassar esse preço elevado para a tarifa dos consumidores da sua região. Ao se permitir a autocontratação, as distribuidoras criavam uma barreira à competição justa na geração.

O novo modelo do setor elétrico obrigou as distribuidoras a comprar toda a sua energia através de leilões públicos. Já tivemos oito leilões no âmbito do novo modelo: cinco de energia existente e três de energia "nova". No último deles contratou-se energia para 2011. Os dados referentes à licitação demonstram que o novo modelo trouxe um ambiente de confiança para os empreendedores investirem no setor elétrico brasileiro. As usinas habilitadas no processo podiam ofertar mais que o dobro do que era necessário para atender a demanda, o que demonstra o interesse dos empreendedores em investir no setor.

Outro elemento fundamental do novo modelo foi a retomada do planejamento energético, cuja importância ficou relegada a segundo ou terceiro plano entre o final dos anos 1990 e o início da atual década. Tão importante quanto uma lei dizendo que novas usinas devem ser contratadas através de leilão é ter o que leiloar.

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Na lista de atividades que antecedem o ingresso de uma usina hidrelétrica em leilão estão a realização de estudos de inventário e de avaliação ambiental integrada das bacias hidrográficas, estudos de viabilidade técnico-econômica e de impacto ambiental da usina e do cronograma de expansão do sistema. Pré-requisitos que não foram atendidos por muito tempo, dificultando a viabilização econômica e socioambiental dos projetos.

Ciente da importância destas atividades para o futuro do suprimento elétrico do país, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), por determinação do MME, está contratando estudos de inventário de seis bacias hidrográficas , estudos de avaliação ambiental integrada (AAI) de outras nove bacias hidrográficas e estudos de viabilidade de seis usinas hidrelétricas.

O grande vencedor dos leilões de compra de energia nova para atender ao mercado de 2009 e 2011, realizado em outubro deste ano, foi o capital privado: respectivamente 74% e 71% da energia vendida de novos empreendimentos pertencem a empresas desta categoria. O fortalecimento das empresas privadas, conjuntamente com as do grupo Eletrobrás, iniciou um novo ciclo de abertura para o mercado. Hoje as ações do setor elétrico são novamente reconhecidas como interessantes opções de investimento de longo prazo.

No que tange ao mercado livre, o salto foi abrupto. Em 2004, antes dos efeitos da implantação do novo modelo, o segmento de livre contratação - fora dos leilões regulados - representava apenas cerca de 6% do mercado total. Atualmente, o mercado livre corresponde a 26% do total negociado no setor elétrico brasileiro. Ou seja, um crescimento explosivo de cinco vezes em apenas dois anos e meio.

Com relação ao abastecimento interno, ao contrário de algumas declarações alarmistas que em nada se sustentam, a situação para os próximos quatro anos é de segurança. A afirmação, amparada metodologicamente, apóia-se em riscos de déficit inferiores a 5% até 2010.

Graças ao novo modelo, as distribuidoras já têm energia contratada para atender a 100% da sua demanda dos seus consumidores até 2011 - algo inédito no país. Isto quer dizer que, até lá, elas já contrataram toda a energia necessária para atender aos seus mercados. No primeiro semestre de 2007, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estará realizando o leilão para atender a demanda das distribuidoras de 2012. Em suma: o setor elétrico brasileiro já está na próxima década.

Silas Rondeau é ministro de Minas e Energia.