Título: Por motivos opostos, dois juízes deixam a Operação Monte Carlo
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2012, Especial, p. A16

Em menos de 24 horas, a Operação Monte Carlo ficou sob a condução de dois juízes diferentes em Goiânia e ambos pediram para deixar o caso. Primeiro, o juiz Paulo Augusto Moreira Lima, da 11ª Vara de Goiás, pediu para se afastar após receber ameaças veladas de policiais. Depois, o juiz Leão Aparecido Alves se deu por impedido de analisar o caso.

Moreira Lima era o juiz condutor do processo e revelou que policiais procuraram pessoas de sua família, o que considerou uma "ameaça velada". A Monte Carlo investiga, entre outros crimes, o pagamento de propina a policiais para que eles autorizassem a realização de jogos ilegais em Goiás supostamente promovidos pelo grupo do empresário Carlos Augusto Ramos, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira.

Aparecido Alves teve um telefonema identificado pela Polícia Federal durante as investigações e declinou do processo, alegando "motivos de foro íntimo". Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as interceptações da PF identificaram uma ligação do número do magistrado para uma pessoa acusada de envolvimento com o grupo de Cachoeira. De acordo com a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, o juiz confirmou a existência do telefonema e disse que, na ocasião, o seu aparelho estava emprestado à mulher.

"Se a interceptação telefônica indicar qualquer envolvimento de alguém íntimo do juiz Aparecido Alves, como sua esposa, com algum envolvido com a quadrilha, o juiz não poderá estar à frente da investigação", disse a corregedora.

Calmon marcou para hoje uma reunião com o juiz Moreira Lima para saber em detalhes como se deram as ameaças. Ela ficou indignada com o caso. "Nós não podemos ter juízes covardes. Nós não podemos ter juízes ameaçados. Não podemos aceitar que ameaças veladas, físicas ou morais possam impedir que a nossa magistratura desempenhe suas funções", afirmou a ministra.

Ela quer saber se a Corregedoria do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região simplesmente aceitou a renúncia do juiz Moreira Lima ou se tomou alguma providência adicional. "Até o momento, se essas providências foram tomadas eu as ignoro", disse Calmon, reclamando que soube do caso pela imprensa.

Em ofício ao TRF, Moreira Lima apresentou as justificativas para deixar a Monte Carlo. "Minha família, em sua própria residência, foi procurada por policiais que gostariam de conversar a respeito do processo atinente à Operação Monte Carlo, em nítida ameaça velada, visto que sabem quem são meus familiares e onde moram", relatou o juiz.

Para o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, o episódio é grave. "É um caso de gravidade incomum; na linguagem jurídica, de gravidade qualificada. Não se pode ameaçar, do ponto de vista da integridade física e nem moral ou psicológica, nenhum julgador. Muito menos o julgador e sua família", afirmou Britto.

Na noite de ontem, o CNJ aprovou moção de apoio ao juiz.

O caso movimentou todo o Judiciário, pois abriu precedente perigoso para os juízes. Em operações futuras da PF, basta que um juiz seja ameaçado para pedir afastamento da condução do processo.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) entrou em contato com a PF e com o CNJ para "tratar da situação de risco enfrentada pelo magistrado". A Ajufe reafirma que a magistratura não se vergará a qualquer tipo de ameaça", afirmou o presidente da entidade, Nino Oliveira Toldo.