Título: Recife fica dividida na polarização entre ex-aliados
Autor: Camarotto , Murillo
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2012, Política, p. A10

Imprudência, ineficiência e ingerência. Eis a receita que transformou uma eleição tida como certa em uma odisseia com desfecho trágico anunciado. Confortavelmente instalado na Prefeitura do Recife desde janeiro de 2001, o PT de Pernambuco não tinha dúvidas, até bem pouco tempo atrás, de que o lugar estaria garantido por pelo menos mais quatro anos. A gestão tímida e mal avaliada, sobretudo pela classe média, era compensada pelo suporte do governador Eduardo Campos (PSB), cujo acúmulo de poder político parece não ter limite.

Lançado candidato à revelia do comando petista no Estado, o atual prefeito do Recife, João da Costa (PT), começou a gestão com o pé esquerdo. Uma briga com o fiador de sua candidatura - o antecessor e hoje deputado federal João Paulo Lima e Silva - resultou na suspensão do contrato de limpeza urbana, o que deixou Recife mergulhada no lixo por algumas semanas. A má impressão inicial ganhou força meses mais tarde, quando o período de chuvas piorou a situação das já esburacadas ruas e calçadas. O trânsito caótico também acabou debitado integralmente na conta do prefeito.

Mal avaliado e sem a proteção do antecessor, muito popular na cidade, Costa ficou vulnerável. O comando petista não via motivos para mantê-lo no cargo. Desde os primeiros anos da gestão, líderes do partido já falavam, reservadamente, da possibilidade de Costa ser retirado do jogo no fim do primeiro mandato. Com a ajuda do governador e da Frente Popular - amontoado de legendas que Campos lidera - seria relativamente simples colocar outro nome petista na prefeitura. A oposição, esvaziada, também não oferecia risco.

O plano, entretanto, foi mal executado. Sentindo-se ameaçado, o prefeito agiu intensamente nas bases do partido, ao recrutar milhares de militantes para uma eventual prévia. Sua vitória na eleição interna foi contestada pelos derrotados e o imbróglio se arrastou por meses até o diretório nacional do PT impor o nome do senador Humberto Costa como candidato do partido. Pressionado pela Frente Popular, Eduardo Campos viu na briga petista a chance de estender seus tentáculos para a capital, e acabou lançando candidato próprio.

Com isso, o PT chegou em frangalhos à convenção que na sexta-feira confirmou a candidatura de Humberto Costa para a corrida municipal. Para manter-se à frente da prefeitura, o partido terá a missão de defender o projeto em curso desde 2001 e, ao mesmo tempo, explicar os motivos pelos quais o prefeito saiu de cena. Toda essa argumentação terá que ser feita em pouco mais de cinco minutos de programa de televisão, já que a chapa petista conta apenas com o PP de Paulo Maluf e o inexpressivo PHS.

Campos carregou quase todos os partidos da Frente Popular. O suporte de 16 legendas vai proporcionar ao seu candidato, o ex-secretário estadual de Desenvolvimento Geraldo Júlio, quase 13 minutos no programa eleitoral.

No lançamento da candidatura, na semana passada, o governador poupou o PT de críticas mais ácidas, a fim de evitar que a crise aberta no Recife, em Fortaleza e, desde sábado, em Belo Horizonte - onde a aliança também foi rompida - ganhasse ainda mais destaque. No entanto, justificou a candidatura do PSB como uma reação aos "debates enfadonhos e desprovidos de conteúdo" travados no PT.

Desconhecido do eleitorado e estreante em eleições, Geraldo Júlio deverá usar o tempo na televisão para se apresentar como um técnico disposto a solucionar os problemas estruturais da cidade. As principais queixas dos recifenses estão concentradas no setor de mobilidade urbana, seja pelos crescentes congestionamentos, pela ineficiência do transporte público ou pela má conservação das ruas, avenidas e calçadas.

Ao repelir o PT, a Frente Popular incorporou quase que automaticamente o PMDB, que até pouco tempo era a principal força de oposição a Campos no Estado. Tido como um dos candidatos mais competitivos para a sucessão municipal, o deputado federal Raul Henry (PMDB) retirou seu nome e, na semana passada, já estava sentado ao lado do governador no lançamento da candidatura do PSB.

A adesão pemedebista colocou em situação ainda mais difícil uma oposição que, apesar da fragilidade, não conseguiu se unir em torno de um só candidato. Assim, sem apoio de nenhum partido, o DEM lançou o e ex-vice-governador Mendonça Filho, que apesar de aparecer bem colocado nas últimas pesquisas de intenção de voto, não deve ir longe. Já o PSDB terá apenas a companhia do nanico PTdoB para a candidatura do deputado estadual Daniel Coelho. O tucano ainda aguarda um posicionamento do PPS, que desistiu da candidatura do ex-deputado federal Raul Jungmann.

Geraldo Júlio ainda não estava incluído na pesquisa de intenção de votos mais recente feita pelo Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau para o "Jornal do Commércio". Análises feitas pelo instituto considerando a possibilidade - agora confirmada - de lançamento de um candidato pelo PSB preveem uma polarização com o PT.

A alta exposição de Humberto Costa - em função das disputas dentro do PT - e uma possível associação de sua candidatura ao governador Eduardo Campos parecem ter impulsionado a intenção de votos no senador. Outro fato que mostra a tendência de polarização da disputa é a crescente perda de espaço da oposição. A pesquisa mostra que, somados, os então candidatos - além de Mendonça Filho, constavam da pesquisa Daniel Coelho e Raul Henry, que deixou a disputa - somavam 28% das intenções de votos, oito pontos percentuais abaixo dos 36% alcançados por Costa.