Título: Preço fixo inibe projetos de geração
Autor: Capela, Maurício
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2007, Empresas, p. B1

É quase uma regra básica da economia. Toda vez que uma empresa tem bom desempenho financeiro, naturalmente acaba aumentando sua produção, construindo fábricas, contratando mais pessoal ou até pagando dívidas. Em outras palavras, é quando costuma tirar projetos da gaveta.

Apesar disso, há pelo menos um segmento da economia no Brasil que não tem funcionado exatamente desta forma: o de energia. Tanto que no último leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia quatro usinas novas à disposição, mas apenas duas foram arrematadas - Dardanelos (MT) e a de Mauá (PR).

Mesmo longe do prejuízo no país e com um cenário de liquidez no mercado de capitais poucas vezes visto, as geradoras ainda se perguntam se está na hora de investir pesado. Embora tenham aplicado R$ 3,5 bilhões em média entre 2003 e 2006, segundo dados da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib), que reúne números privados e estatais, e dependam da existência de projetos autorizados pelas autoridades governamentais, os grupos em operação no país apontam como empecilho o peso do teto fixado pelo governo para o preço de cada megawatt (MW) nos leilões.

O governo brasileiro estabeleceu que o limite para que cada MW seja vendido nos pregões não ultrapasse R$ 125 para energia de origem hídrica e R$ 140 para a térmica. E como os pregões são feitos pelo menor preço, o valor de fechamento de cada MW invariavelmente é inferior ao preço-teto.

Face a este cenário à mão, grupos nacionais e estrangeiros e analistas de mercado ouvidos pelo Valor responderam por que afinal as geradoras não investem mais agressivamente em geração de energia já que vivem um bom momento financeiro. O problema, disseram, não é exatamente os custos elevados, cuja principal figura é a questão ambiental, mas sim como condicioná-los a uma realidade de preço fixo, taxa de retorno baixa e segurança jurídica.

"Hoje, questiona-se muito as dificuldades na obtenção das licenças ambientais, mas o fato é que o Brasil evoluiu muito nesta área e tem uma das legislações mais desenvolvidas do mundo. O problema é que o custo ambiental ou mesmo da construção da usina não é remunerado a contento por este preço estabelecido pelo governo, já que ao começar a obra existe sempre o risco de nos depararmos com entraves maiores do que havíamos planejado antes de iniciarmos a construção", explica Wilson Ferreira Jr., presidente da CPFL Energia.

À frente de uma empresa que já lucrou mais nos nove primeiros meses de 2006 (R$ 1,059 bilhão) do que todo o ano de 2005 (R$ 1,025 bilhão), Ferreira Jr. afirma que as seis usinas que já foram construídas pela companhia ou que estão em construção consumiram o dobro do valor previsto durante a obra. "Só que a tarifa está estagnada", conclui.

O executivo da CPFL Energia não está sozinho na análise. Eduardo José Bernini, presidente da holding Brasiliana, que controla as geradoras AES Tietê e AES Uruguaiana, explica que seria plenamente possível arcar com os custos ambientais, das obras civis e dos equipamentos se houvesse remuneração. E avalia que não existe falta de projetos no Brasil e sim há uma mudança na filosofia ambiental.

"Antigamente, media-se os impactos que as usinas gerariam. Já hoje a lógica do licenciamento busca enquadrar o impacto sobre a bacia hidrográfica", conta Bernini. Nas suas contas, completa o executivo, o Brasil não tem falta de projetos, porque há 150 terawatts por hora a serem explorados, o que equivale a 1 milhão de MW. "O rio Araguaia, que corta o Estado do Tocantins, por exemplo, não tem nenhuma usina, mas poderia ter", diz.

O presidente da holding Brasiliana, contudo, não é contra a nova filosofia dos órgãos de meio ambiente. Apenas lembra que muitas vezes há compensações ambientais que não aparecem no projeto original, mas que surgem com o andar da obra e cujo valor não é passível de compensação, porque o preço está fixo.

Quem conhece de perto esta realidade é António Martins da Costa, principal executivo da Energias do Brasil. A controlada do grupo português EDP recorda que a hidrelétrica de Peixe Angical, localizada no Estado do Tocantins e cuja última turbina da potência total de 452 MW foi inaugurada recentemente, tinha uma expectativa de gastar 12% do orçamento de R$ 1,6 bilhão com custos ambientais, mas acabou desembolsando 16%. "Para compensar essa diferença, buscamos uma maior eficiência nas aquisições de materiais e na própria construção", explica Costa.

O executivo da Energias do Brasil conta que o gasto só não foi maior porque a empresa adotou uma postura pró-ativa. Em outras palavras, a corporação constituiu uma espécie de fórum, que reuniu o Ministério Público, comunidade, organizações não-governamentais e outras partes interessadas, o que identificou pontos de perda.

Além disso, Martins da Costa é claro ao afirmar que existe problemas para obter licenciamento ambiental e que não há projetos médios de geração de energia à disposição. Empreendimentos de porte médio são aqueles que geram ao redor de 500 MW. Para o executivo, ou há grandes usinas ou há pequenas à disposição. "E o preço-teto afasta os operadores privados e só funciona para as estatais, que não trabalham com a mesma taxa de retorno dos grupos", afirma o executivo.

Contudo, o sentimento no mercado não se resume a estes pontos. Manoel Arlindo Zaroni Torres, presidente da franco-belga Tractebel, a maior geradora privada no Brasil com participação de 8%, adiciona um ponto a mais na discussão: insegurança jurídica. "Apesar da licença prévia te garantir o direito de começar o projeto, o que tira mesmo o empreendimento do papel é a licença de instalação", diz Torres.

O presidente da Tractebel sabe bem o que é isso. A hidrelétrica de Estreito (rio Tocantins), que recebeu em dezembro de 2006 a licença de instalação, obteve a licença prévia em 2001. OU seja, cinco anos se passaram até que a empresa tivesse segurança jurídica necessária para tocar o projeto. Na usina de São Salvador, outra do grupo, a distância entre as duas licenças foi um pouco menor: quatro anos. A de instalação saiu em 2005.

No posto de observador das decisões empresariais, analistas lembram que energia demais não é exatamente o cenário ideal. Isso, porque insumo excedente poderá significar preços mais baixos, afetando o desempenho das companhias no futuro, embora esse não seja o cenário previsto para o Brasil nos próximos anos, com ameaça de "apagão". "A demanda é projetada pela Aneel, que licita os projetos em função disso", afirma Felipe Cunha, analista de energia do banco Brascan. Cunha lembra ainda que finanças em ordem não são sinônimos de novas usinas. "Bom caixa também significa aquisição".