Título: Como Ratan Tata transformou o maior grupo da Índia
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2007, Empresas, p. B5

Imaginar alguém para comandar uma grande empresa familiar quando um tirano bem sucedido está para se aposentar normalmente é uma questão delicada. Quando a empresa ainda é controlada pela mesma família que a fundou quando John D. Rockefeller construía refinarias em Cleveland, isso se torna ainda mais surpreendente. Acrescente o fato de que a família em questão é a Parsee, um pequeno secto zoroastrista cujos membros vêm casando uns com os outros há milhares de anos, e são boas as chances de encontrar alguém à altura do cargo.

Mesmo assim, após considerações iniciais indiferentes, Ratan Tata transformou o grupo Tata, do qual é presidente do conselho de administração. Quando recebeu o comando de seu tio J.R.D. Tata, a empresa era um conglomerado desajeitado com participações num número enorme de companhias que pareciam que iriam definhar diante da concorrência estrangeira. Agora, faz aquisições estrangeiras e se aventura por mercados pouco familiares. A guerra de lances travada entre Tata Steel e a CSN do Brasil, pelo controle da Corus, uma siderúrgica anglo-holandesa, é apenas um exemplo da ousadia desse que já foi um grupo sem atrativos. Recentemente, Ratan Tata foi escolhido o indiano do ano pelos telespectadores de um canal de televisão da Índia, superando Sachin Tendulkar, o maior jogador de críquete da Índia, e Aishwarya Raí, a atriz de cinema mais famosa do país. E seu sucesso se deve em parte ao fato de que ele é o que seus amigos chamam de individualista - e os outros, de solitário.

Ratan Tata não gosta de publicidade e evita as plataformas e aplausos das conferências. Ele vive de maneira frugal, não bebe, não fuma e parece perplexo diante da idéia de não gastar seu tempo trabalhando. Perguntado sobre o que faria se tivesse algum tempo livre, ele normalmente responde que levaria o cachorro para passear em alguma praia perto de Mumbai. Ele não parece motivado pelo dinheiro e constantemente fala de justiça e fazer a coisa certa. "Quero poder ir para a cama à noite com a certeza de que não prejudiquei ninguém", diz ele duas vezes no decorrer de uma entrevista concedida em um hotel de Nova Delhi controlado pelo seu grupo, que não pára de crescer.

Ratan Tata se tornou presidente do conselho em 1991, justo quando a economia da Índia começava a se abrir. Seu tio, que havia administrado a Tata por mais de 50 anos, havia iniciado a Tata Airlines (que se transformou na Air India) e era para a Índia o que Gianni Agnelli, da Fiat, era para a Itália. Ele era um filantropo de boa aparência, casado com uma francesa e com a primeira licença de piloto de avião emitida na Índia. Seu sobrinho tímido e avesso à badalação, por outro lado, que havia se formado em arquitetura pela Cornell University, entrou de mansinho na empresa da família e não era cotado para a sucessão mesmo quando seu tio estava prestes a sair.

Apesar de toda a glória que cercou J.R.D., quando ele se aposentou em 1991 a Tata era um grupo de companhias mal equipadas para lidar com as mudanças que estavam para varrer a Índia. Ganhava a maior parte do seu dinheiro em setores antigos que haviam inchado durante a época do "licence raj", o planejamento centralizado quando o governo fixava os limites sobre a produção das empresas e as protegia de concorrentes estrangeiros. As participações mantidas pela família em muitas das 300 companhias do grupo eram muito pequenas, e os principais negócios da Tata eram administrados como feudos por homens muito mais velhos que Ratan Tata.

Eles acreditavam que Tata, que nunca havia tido um cargo executivo, os deixaria em paz. Ao invés disso, ele os aposentou, melhorando suas aposentadorias para reduzir o baque. Vendeu participações em algumas companhias e usou o dinheiro e as receitas da Tata Consultancy Services, a maior empresa de tecnologia da informação da Índia, para reforçar o controle das empresas que restaram. Há hoje apenas 96 companhias no grupo, e a Tata Sons controla pelo menos 26% de cada uma delas. Isso tornou a administração do portfólio um pouco mais fácil, mas deixou Ratan Tata mais isolado na cúpula.

Pouco depois de se tornar o presidente do conselho de administração do grupo, Ratan também decidiu que a Tata Motors iria fabricar seus próprios automóveis, muito embora uma joint venture com uma montadora estrangeira pudesse ter sido mais fácil. Críticos reclamaram que uma boa fabricante de caminhões iria ser destruída por causa de um projeto mal concebido e que levavam em conta apenas a vaidade de seu autor. Mas depois de um começo difícil, a Tata Motors é hoje a segunda maior montadora da Índia em vendas. "Se ele tivesse dado ouvidos ao que todo mundo dizia, nunca teria conseguido", observa um dos amigos de Tata.

Embora tenha tornado as grandes empresas do grupo mais competitivas e mais inclinadas a olhar para além das fronteiras indianas - a Corus seria apenas a mais recente de uma série de aquisições -, Ratan Tata vem administrando todas tendo em mente a tradição do espírito público. Dois terços da Tata Sons são controlados por trustes de caridade que realizam bons trabalhos na Índia. A empresa é conhecida pela recusa em pagar propinas e por tratar bem seus funcionários. Às vezes, investidores estrangeiros se perguntam se isso de fato é bom para os negócios. "No começo eu não tinha uma resposta", diz Tata. "Mas aí eu passei a perguntar a mim mesmo: sou competitivo? Sim. E esta é a forma como empresas estão seguindo."

O projeto de automóveis mais recente de Ratan Tata - um veículo que será vendido por menos de US$ 3 mil - combina duas das coisas que o mantém afastado das caminhadas na praia: garantir o futuro do grupo familiar e satisfazer um senso de justiça altamente desenvolvido. A fábrica ficará no estado de Bengala Ocidental, administrado pela esquerda e escolhido, em parte, porque necessita de maior desenvolvimento industrial. O governo de Bengala Ocidental anseia pelo investimento, mas a Tata Motors vem enfrentando protestos dos agricultores, um político em greve de fome e, segundo acredita Tata, rivais comerciais que tentam impedir o nascimento de um automóvel mais acessível.

Ratan Tata, que não tem filhos, deve se aposentar em 2012, quando completar 75 anos. Isso deixará um grupo com um problema de sucessão familiar. Enquanto isso, ele lidera a comissão de investimentos do governo, que trabalha para aumentar os investimentos estrangeiros no país. E pode estar prestes a criar uma das maiores siderúrgicas do mundo. Nada mal para um arquiteto tímido.