Título: Japão brilha mais que Alemanha
Autor: Munchau, Wolfgang
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2007, Opinião, p. A11

A estagnação japonesa começou com um colapso no preços dos ativos; a alemã foi causada pela unificação. Em ambos os casos, péssimas políticas econômicas agravaram uma situação já ruim.

Japão e Alemanha já não estão à beira do abismo. Na semana passada, a agência estatística alemã confirmou que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu respeitáveis 2,5% em 2006, sendo essa a taxa mais alta desde 2000. Para o Japão, 2006 deve ter sido um pouco pior. O crescimento anual do PIB para o ano calendário de 2006 é estimado em aproximadamente 2%.

Entre os dois países, a Alemanha é atualmente a evidente favorita entre os investidores mundiais. Será esse otimismo justificável, em termos absolutos e na comparação com o Japão? Uma das mais interessantes análises que já ouvi é a Adam Posen, importante especialista no Peterson Institute for International Economics, em Washington, e uma das poucas pessoas que podem reivindicar ser experts sobre os dois países. Contrariamente à opinião majoritária, ele considera a recuperação econômica japonesa muito mais consistente do que a alemã. Em um livro a ser publicado em breve sobre a Alemanha ("Reform and Growth in a Rich Country: Germany", Peterson Institute, no prelo), ele argumenta que a economia política alemã é mais limitante que a japonesa. Ele estima a produção potencial alemã em menos de 1,5% e a japonesa em cerca de 2%, e conclui ser errada a tendência dos economistas políticos de considerarem a Alemanha e o Japão num só conjunto.

Quais são as razões para seu ceticismo em relação à Alemanha e otimismo quanto ao Japão? Ele apresenta quatro justificativas. Em primeiro lugar, a Alemanha tem profundos problemas estruturais nos setores empresarial e bancário. Mas a maioria das reformas, até hoje, aconteceram nas áreas trabalhista ou de aposentadorias, ao passo que no Japão elas aconteceram predominantemente em mercados financeiros e em governança empresarial. Segundo, a Alemanha nunca praticou uma política monetária e fiscal restritivas, pois seus problemas de crescimento são fundamentalmente estruturais; no Japão, o desaquecimento na década de 90 deveu-se largamente a más políticas macroeconômicas. Terceiro, o Japão tem um Estado forte e uma sociedade civil fraca, de modo que foi possível aprovar as reformas; na Alemanha, o contrário é verdadeiro. E, diversamente da Alemanha, as regras japonesas de governança corporativa e políticas bancárias recompensam grandes companhias e bancos. Em conseqüência disso, argumenta Posen, o Japão gera inovações e economias de escala, ao passo que a Alemanha sofre do que ele denomina "desenvolvimento retardado".

O consenso entre alguns dos investidores e economistas mais impressionáveis sobre a Alemanha é que as reformas Hartz IV no mercado de trabalho já estão dando resultados em termos de maior crescimento econômico. Fala-se já até mesmo em um novo milagre econômico.

A verdade simples é que a Alemanha está passando por uma ascensão cíclica. O ano passado foi provavelmente o pico do atual ciclo. Mas, embora a taxa de crescimento do PIB tenha sido boa, a economia conseguiu apenas um ligeiro crescimento na demanda interna - PIB menos exportações líquidas - de 1,7%.

-------------------------------------------------------------------------------- Economistas podem questionar o compromisso do primeiro-ministro Shinzo Abe em relação a reformas econômicas, mas o país fez as mudanças corretas --------------------------------------------------------------------------------

A estatística mais surpreendente é a que revela como os ganhos do ano passado foram divididos entre acionistas e trabalhadores. Os salários subiram 1,3% em termos reais - depois de uma queda de 0,7% em 2005. Mas os lucros cresceram incríveis 6,9% em 2006, e isso após uma alta de 6,2% em 2005. A partir de 2000, temos observado uma grande inflexão estrutural em favor dos lucros. Durante a década de 90, houve anos nos quais os salários cresceram muito mais rapidamente do que os lucros, e vice-versa. Embora a distribuição entre lucros e salários fosse sempre volátil, ela pelo menos revertia à média em longos períodos. A atual guinada em benefício dos lucros tem sido, a um só tempo, excepcionalmente grande e persistente.

Essas são boas notícias para os investidores e más notícias para os trabalhadores alemães. Mas serão más notícias para a economia alemã? Um argumento é que a Alemanha entrou para a união monetária com um câmbio sobrevalorizado e, de lá para cá, melhorou sua competitividade relativa. Se esse ponto de vista estivesse correto, seria de esperar que a proporção da remuneração da mão-de-obra em relação aos lucros voltasse a tender à média. Duvido que isso vá acontecer no curto prazo.

Hans-Werner Sinn, presidente do instituto de economia IFO, ofereceu outra teoria, muito mais alarmante e controvertida. Ele acredita que a Alemanha e uma "economia de bazar", onde a produção e a pré-produção industrial são terceirizadas, principalmente na Europa Central e Oriental e na Ásia, ao passo que as indústrias domésticas são reduzidas a operações de montagem final. Ele argumenta que o sucesso exportador alemão é um sinal de debilidade, não de vigor. Se sua teoria estiver correta, a Alemanha seria um grande país para investir, mas não onde viver.

Também não tenho certeza se esse é um diagnóstico correto. Pelo menos, não há ainda suficiente evidência empírica para corroborá-lo. Seja como for, é justo dizer que hoje ainda não é possível compreender o desempenho econômico alemão pós-unificação.

Temos uma compreensão um pouco melhor sobre o Japão. Os economistas podem questionar o comprometimento de Shinzo Abe, o novo primeiro-ministro, em relação a reformas econômicas. Mas o Japão pelo menos empreendeu os tipos corretos de reformas, tanto estrutural como em política monetária e fiscal.

A Alemanha, em contraste, apoiou-se predominantemente numa estratégia de corte de custos. Mas a Alemanha não está reformando seus arcaicos mecanismos de fixação de salários, não está desmontando seus oligopólios no setor energético nem privatizando seus Sparkassen e Landesbanken (bancos estatais). Não tenho dúvidas de que a Alemanha acabará fazendo a coisa certa, mas o Japão está hoje à frente da Alemanha em termos de reformas. Portanto, é racional considerar mais brilhantes as perspectivas econômicas japonesas de longo prazo.