Título: Apoio à inovação tecnológica será prioridade no BNDES
Autor: Borges, Robinson
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2007, Especial, p. A12

Considerado um dos principais vetores da política industrial brasileira, o BNDES emite sinais fortes de uma importante mudança no eixo de suas prioridades. Se entre as décadas de 50 e 80 foi protagonista na estruturação industrial do país e, nos anos 90 assumiu a liderança no processo de privatização, a nova fase da instituição pode ser definida pela palavra inovação.

Com esse novo enfoque, o banco pretende ser um indutor de empreendimentos inovadores e encontrar alternativas para o grande desafio da competitividade global: a China. O país tem se destacado por uma produção de bens de consumo baseada em custos muito baixos, competência que o Brasil dificilmente terá como enfrentar. A alternativa seria evitar a disputa de mercados já saturados e apostar em setores que dependam centralmente de inteligência e inovação.

"Em determinadas áreas, os chineses, enquanto mantiverem essa taxa de câmbio, ficam imbatíveis. Entretanto, existem extratos de mercado em que a competição não se faz apenas por custo. É isso o que buscamos", afirma Demian Fiocca, presidente do BNDES. "Temos de fazer as empresas brasileiras se posicionarem melhor no mercado externo."

A intensidade com que a terceira fase do banco será consolidada depende do nome a ser escolhido pelo presidente Lula para assumir a presidência do BNDES em seu segundo mandato. No entanto, pouco antes de Lula ser reempossado no Palácio do Planalto, o atual comando do banco aprovou o último tópico de um pacote de medidas de inovação com capital de risco, deixando pavimentadas ferramentas para a próxima gestão, caso Fiocca não permaneça no cargo.

Numa das últimas reuniões de 2006, a direção do banco aprovou o Criatec, um instrumento que destinará R$ 80 milhões para a construção de um fundo de "seed money" (capital semente), num horizonte de investimento de quatro anos. O foco são empresas identificadas como "portadoras de futuro", altamente especializadas e que atuem em setores de ponta, como nanotecnologia, biotecnologia, energias renováveis, design, agronegócios, logística, novos materiais etc.

A meta é operar com companhias de pequeno porte, ou incubadas, com faturamento de até R$ 6 milhões e com soluções na faixa pré-comercial, que ainda não foram transferidas para o setor empresarial.

"O Brasil é frágil dentro da cadeia de inovação, entre a pesquisa básica, realizada nas universidades e em alguns institutos de pesquisa, e a inovação de produtos que é feita pela indústria, mas de maneira, digamos, menos ambiciosa", afirma Fiocca.

A ausência de uma política pública de apoio ao segmento inovador brasileiro tem favorecido, na avaliação do presidente do BNDES, a fuga de cérebros e a aquisição de pequenas e médias empresas por multinacionais capitalizadas, o que compromete a capacidade competitiva do Brasil. "Quadros altamente qualificados no país conseguem se preparar, investir numa certa linha de futuro, mas não têm como simplesmente crescer com recursos próprios. Precisam de capital", diz Fiocca.

Com o lançamento do Criatec, o BNDES conclui a cadeia de instrumentos de capital de risco para empresas inovadoras em diferentes estágios e tamanhos. Com os fundos de "seed money", beneficia as empresas chamadas nascentes. Com os de "venture capital", financia as primeiras etapas de desenvolvimento de companhias novas, mas com perspectiva de crescimento rápido. E com os fundos de "private equity", investe em papéis de empresas recém-fundadas e negociados em âmbito restrito.

No ano passado, o banco aprovou R$ 260 milhões em cotas de dez fundos distintos, em fase de captação, com alavancagem superior a R$ 1,3 bilhão para empresas com um perfil maior do que as do Criatec. Oito fundos são de "venture capital" e dois fundos são de "private equity". Fiocca reconhece que o valor é pequeno -- se comparado aos R$ 52,3 bilhões desembolsados pelo banco no ano passado.

Para ele, o maior desafio para uma entidade do porte do BNDES, não é o montante de recursos. No aspecto macro está sua função de pautar e sedimentar a inovação como área estratégica para a política industrial do governo federal. E, no aspecto mais específico, fazer com que os gestores dos fundos encontrem empresas com esse perfil inovador, "consigam investir e fazê-las crescer".

O fundo do Criatec terá um gestor nacional - a ser escolhido entre fevereiro ou março - e beneficiará 60 empresas distribuídas em até oito regiões do país por meio de gestores regionais, para identificar a inteligência que também existe em centros de excelência fora do eixo Rio-São Paulo. Estima-se que este instrumento propicie a inserção de cerca de 3 mil novos postos de trabalho.

-------------------------------------------------------------------------------- Banco vai destinar R$ 80 milhões para fundo que terá como foco empresas "portadoras de futuro" --------------------------------------------------------------------------------

O modelo de fundos de "seed money" existe há algum tempo em países que cresceram rapidamente ao longo da última década, como Irlanda, Israel e Finlândia, e que tiveram uma participação forte do Estado na criação de um governo de inteligência e desenvolvimento de bens intangíveis.

A proposta BNDES com as medidas pró-inovação é romper com o paradigma indústria-infra-estrutura, ao qual o banco sempre esteve associado, e enfatizar uma política industrial "moderna". "A capacidade de fabricar continua sendo relevante, mas o objeto é a capacidade de gerar valor, seja por novas fábricas, seja por idéias, por bens intangíveis etc. Passar do estágio da fabricação para a de geração de valor", explica Antonio Barros de Castro, diretor de Planejamento do BNDES. "É uma forma mais abrangente de conceber o apoio à produção contemporânea."

De acordo com um mapeamento realizado pelo banco, seus clientes atuais já não buscam mais a instituição apenas para ampliar uma instalação ou construir uma nova planta, como na primeira fase do BNDES. Hoje, o grande desafio das empresas está no desenvolvimento de linhas de produto.

Barros de Castro destaca que, apesar de o banco apoiar a elite da pesquisa e do desenvolvimento nacional, o BNDES não quer ficar restrito a produtos tecnologicamente sofisticados. Ele cita que um dos clientes do banco na área de inovação é do segmento de móveis. "É por meio da inovação de sua linha de cadeiras que esse setor ganha mercado. Em boa medida, estamos negociando a capacidade de lançar sucessivas linhas de cadeiras. Não se trata de uma nova molécula, mas de saber produzir de forma mais sistemática e mais seqüencial", afirma.

Essa nova ênfase do BNDES implica também ampliar as formas de investimentos do banco. A direção da instituição acredita que empresas inovadoras que participam dos fundos de "seed money" ou de "venture capital" não têm perfil para a obtenção de financiamento. Primeiro, porque o financiamento, em tese, implicaria avaliar que todas as empresas terão êxito, ignorando-se, portanto, os riscos inerentes desses negócios. E, segundo, porque essas empresas possuem pequena capacidade financeira. Ao contrário do que ocorre na expansão da capacidade produtiva tradicional, o investimento em empresas de bens intangíveis não constrói sua própria garantia, por isso, a adoção de fundos de capital de risco parece mais adequada, segundo o banco.

"Como transformar design, processo gerencial, serviços de logística ou marketing, apenas para exemplificar, em uma garantia real?", pergunta Eduardo Rath Fingerl, autor da tese "Considerando os Intangíveis: Brasil e BNDES" e diretor da área de mercado de capitais do banco. Para ele, o valor que a inovação constrói "está associado às expectativas de um mercado quase sempre a transformar ou a estruturar para aquele produto ou sucesso".

Do ponto de vista dos ganhos dessas operações, o BNDES avalia que a formatação de fundos de capital de risco também é mais conveniente do que a criação de linhas de financiamento. Isso porque ao realizar empréstimos, o BNDES ganha "apenas" o spread do financiamento, afirma Fiocca. Com fundos como estes, o banco torna-se sócio do empreendimento, que no caso de sucesso, pode propiciar ganhos significativos para a instituição. "Nós sabemos que algumas dessas empresas não vão dar certo, mas estamos fazendo bom uso desses recursos, pois das que derem certo, nós seremos sócios do sucesso na sua proporção", diz.

A grande preocupação com esses fundos é que o banco precisa aprimorar e desenvolver mecanismos de avaliação e mensuração dos fatores intangíveis da área de inovação, que envolvem risco bastante elevado. Experiências nacionais e internacionais, entretanto, revelam que, na média, as empresas inovadoras, que participam de fundos de capital de risco, trazem retorno financeiro e econômico, segundo Fiocca.

A tarefa de mitigar riscos, no caso do Criatec, estará a cargo do gestor do fundo a ser escolhido, que terá de ser capaz de identificar não apenas os bons negócios, como contribuir com a governança corporativa da empresa do fundo, sua estruturação e seus aspectos comerciais e financeiros. O objetivo é que elas evoluam para outros fundos. De acordo com Fingerl, há duas direções desejáveis e possíveis no prazo médio de quatro anos para as empresas dos fundos de "venture capital": a estratégica, ou seja, a aquisição por outra companhia maior, ou a oferta pública de ações na bolsa.

"O BNDES dá grande importância a trazer as empresas para a bolsa de valores. Há um grande celeiro nessas pequenas e médias empresas do fundo de ´venture capital´ que, um dia, podem ser listadas e podem vir a aumentar a base de companhias na Bovespa", afirma Fingerl.

O exemplo da Lupatech, líder nacional em válvulas industriais no setor de petróleo e gás, que ingressou no ano passado no Novo Mercado da Bovespa, é bastante ilustrativo dessa nova ordem do BNDES, segundo o diretor de mercado de capitais do banco.

Antes de abrir o capital, a empresa obteve aporte de R$ 39 milhões do BNDES por meio de investimento de "private equity". Em 2005, seu faturamento foi de R$ 200 milhões, 42% acima do verificado no ano anterior. "Essa empresa passou rapidamente de uma categoria pequena para um sucesso estrondoso", comemora Fingerl.